Os narradores Machadianos: visão masculina



Já apontamos, em outro trabalho, algumas características das personagens femininas – Capítu, Sofia Virgília – agora, falaremos um pouco sobre os narradores.
Estes narradores dos romances machadianos vivem envolvidos em tramas, memórias, reminiscências, falsas artimanhas, artifícios que têm à mão para envolver os leitores em inumeráveis embustes, que os conduzem a reflexões e enigmas muitas vezes indecifráveis. Machado tece suas narrativas de modo que seus leitores, mesmo os “distraídos”, vão aderindo ao pacto de leitura, na tentativa de buscar os deciframentos para as situações que lhes são postas. Isso faz parte da estratégia machadiana em colocar o seu leitor a par dos questionamentos do ser humano e dos reveses da vida.
Isso quer dizer que Machado, ao escrever suas obras, intencionalmente adota a estratégia da reescritura como uma das formas de “dissimular”, dando trabalho a seus leitores, principalmente àqueles que ingenuamente crêem estarem decifrando o indizível, o enigmático de seus textos.
Percebemos, nos romances machadianos, por diversas vezes, as referências e as citações que o romancista faz a grandes obras e grandes escritores e muitas das citações são literais. Comprova-se, assim, que Machado não escrevia para um leitor qualquer. Seus leitores necessitavam de outras leituras para que pudessem compreender o sentido que pretendia, pois muitos deles estavam encobertos sob o “manto diáfano da fantasia” (CANDIDO, 2000, p. 86), o que tornava imperativo um sistema de chaves para abrir os esconderijos da sólida verdade, e deste modo, ele se justificava.
Já com Memórias Póstumas de Brás Cubas a literatura brasileira atingiu a sua maturidade. Marco inicial do Realismo,  introduz o romance psicológico na Literatura brasileira. Nesta obra, Machado de Assis desloca o foco de interesse do romance. O seu enfoque central não é a vida social ou a descrição das paisagens, mas a forma como seus personagens vêem e sentem as circunstâncias em que vivem. Em vez de enfatizar os espaços externos, investe na caracterização interior dos personagens, com suas contradições e problemáticas existenciais.
O romance tem uma perspectiva deslocada: é narrado por um defunto, que reconta a própria vida, do fim para o começo, num relato marcado pela franqueza e inseção. "Falo sem temer mais nada", diz o morto. É Brás Cubas, personagem “esférico”, ou seja, de grande densidade psicológica, quem comenta as próprias mudanças. Brás Cubas, classificado pelos críticos como o grande hipócrita da Literatura brasileira, é um sujeito sem objetivos e muito contraditório, sempre rondando a periferia do poder.  Típico burguês da segunda metade do século XIX, encarna o homem que passou a vida sem conquistar nenhuma realização efetiva. Se na infância o personagem fora uma criança abastada e protegida, torna-se um jovem adulto leviano, em busca da melhor maneira de tirar vantagem. Sua conduta fica explícita quando descreve sua formação universitária na Europa.
    Quando volta ao Brasil, por causa da doença da mãe, se defronta pela primeira vez com a questão da morte e vive então um momento de introspecção e reflexão. Quando reencontra Marcela velha e doente, retoma a idéia da passagem do tempo. A isso Brás chama de teoria das edições da vida, anunciada nos primeiros capítulos, mas comentada muito depois.
    Na maturidade, começa a buscar a compensação pela existência sem nada de notável, sem filhos ou realizações: consegue um cargo público, busca notoriedade e respeitabilidade ao querer tornar-se ministro. Pouco antes de morrer, imagina ainda um último modo de se perpetuar: inventando um emplasto, uma medicação sublime.
Em suma, Brás Cubas – protagonista e narrador do romance – egoísta, egocêntrico, entediado e como vimos petulante, irônico, pretensamente superior, constitui uma espécie de inversão feita por Machado de Assis da trajetória típica dos heróis do mundo burguês, tematizados na literatura realista. Tais heróis, como, por exemplo, nos romances de Stendhal e Balzac, caracterizam-se pela ascensão social geralmente relativizada pelo fracasso no plano afetivo. Brás Cubas, por sua vez, não tem sucesso em nenhum setor, tornando-se uma espécie de antimodelo através do qual Machado de Assis ironiza impiedosa e ceticamente os valores burgueses em particular e os valores humanos em geral. Além disso, questiona os modelos ideológicos e literários importados pelo Brasil, fazendo-o não só através da negação do herói tradicional da literatura realista, mas também da ridicularização das doutrinas positivistas e deterministas, através do humanitismo e de seu criador, o filósofo-maluco Quincas Borba. 
Narrado em 1º pessoa por um narrador-personagem, que se coloca como escritor, a história de Dom Casmurro tem como primeira chave para tentarmos nos aproximar de seu enigma a própria figura deste que ao mesmo tempo a vive e relata.
Trata-se de um velho homem solitário, apelidado de Dom Casmurro, que por cansaço da monotonia em que vive, passa a relatar sua história. Outro ponto a ser mencionado, é o fato de seu narrador não ser confiável. Ele mente, distorce, confunde o leitor, com quem conversa ao longo da narração, anunciando a metalinguagem da literatura do século XX.
Machado adota um narrador unilateral, fazendo dele o eixo da forma literária, então inscrevia entre os romancistas inovadores, além de convergir com os espíritos adiantados da Europa, que sabiam que toda representação comporta um elemento de vontade ou interesse, o dado oculto a examinar, o indício da crise da civilização burguesa – como já fora citado anteriormente.
No romance, a dramatização do ato de narrar é um dos componentes essenciais do enredo e da vida do protagonista.
Tal dramatização consiste no seguinte: em vez de simplesmente escrever uma estória, Machado inventou uma personagem (um pseudo-autor) de quem nos é dado ver o ato de escrever o seu próprio romance.
O romance Dom Casmurro também pode ser entendido como uma auto-análise de Bento Santiago, sobrevivente único de uma estória de amor, com um final amargo: pois o mesmo julga-se traído pela amada esposa e pelo seu melhor amigo Escobar. Vários anos após a morte da esposa, ele decide escrever o livro para restaurar no presente o equilíbrio perdido no passado
O ponto de vista de Bentinho domina tudo na narrativa. Até mesmo os demais personagens que passam de projeções de sua alma. São lembranças do seu passado, que vão ressurgindo do subsolo da memória à medida que ele procura a reconciliação em si mesmo.
Bentinho, quando ainda mais jovem, era um pouco mais baixo que Capitulina, não apresentando traços físicos definidos, revelava-se como um moço rico, mimado pela mãe, talvez, por isso, não tinha a mesma personalidade forte, espírito vivaz e iniciativa da amiga.

A priori, Bento Santiago se dividia entre o amor de sua mãe, e o amor de Capitu. Enquanto escreve o livro, também se divide, mas agora é entre o passado e o presente; acusando e louvando a já morta, Capitu.
Bentinho jamais pretendeu ser padre, mas fora sua mãe que o determinou a tal atitude. Seus planos eram de se casar, futuramente, com sua amiga e amada, Capitulina.
Depois de velho, e após tantas perdas, como a morte de seus familiares e amigos, passou a viver solitário e totalmente isolado. Ele mesmo afirma isso: “(...) uso louça velha e mobília velha. Em verdade, pouca pareço e menos falo. Distrações raras, o mais do tempo e gasto em horta, jardins e ler, como bem e não durmo mal”.


Quanto a Capitulina, apelidada de Capitu, no início da narrativa, estava com 14 anos, e um pouquinho mais alta que Bentinho, como já fora antes citado. Ela tinha os cabelos grossos negros e compridos até a cintura. Seus olhos eram negros e misteriosos a ponto de despertar no narrador a comparação com a ressaca do mar. Era esperta, inteligente, extrovertida e criativa. Foi ela quem pensou, primeiramente, em tomar atitudes quanto ao fato de Bentinho tornar-se padre. Após a entrada dele no seminário, ela passou a maior parte do tempo com D. Glória, e tornam-se muito ligadas.
O narrador-personagem, Bento Santiago, deixa transparecer nas entrelinhas um defeito de Capitu, que era o fato dela ser pobre.

Já Quincas Borba, onde é o único caso que não é narrador, mas sim um personagem. Notamos que, em síntese, ele se destaca pelos seguintes atributos: filósofo doido, esquisito, “com freqüente alteração de humor”, “ímpetos sem motivo”, “ternura sem proporção”, extravagante (cap. V), bom, alegre, lutava contra o pessimismo (cap. V) e desejava a sua continuidade através dos tempos como comprova a sua filosofia “borbista”, de natureza “humorística”, o Humanitismo. Depois que morreu, passou, por metempsicose, ao corpo do seu cão, como sugerem as dúvidas de Rubião ao longo da narrativa:
    
Olhou para o cão, enquanto esperava que lhe abrissem a porte. O cão olhava para ele, de tal jeito que parecia estar ali dentro o próprio e defunto Quincas Borba; era o mesmo olhar meditativo do filósofo, quando examinava negócios humanos... (Cap. XLIX).
     
Como ressalta o crítico Massaud Moisés:

encarnado-se em seu cachorro, Quincas Borba continuou a exercer enorme influência, pois eu fiel amigo é um contraponto constante na evolução dos acontecimentos, pelas vezes em que aparece contracenando com Rubião. A preeminência indiscutível do animal sobra s demais personagens, com exceção do Rubião, justifica-se por aquele intuito satírico geral que orienta a obra, levando o leitor a pensar em como apenas um cão se salva do mundo de misérias em que vivem as demais criaturas do romance. Se não se trata de elogio de animalidade inconsciente, ou da mera inconsciência, pois Quincas Borba é um cão diferente dos outros, por trazer dentro de si um filósofo idealista e sonhados, é, sem sombra de dúvida, um recurso de fábula semelhante aos usados por La Fontaine, um dos escritores mais apreciados por Machado de Assis.



Descrição dos personagens masculinos

Brás Cubas

O que podemos afirmar sobre este personagem, que também é narrador, senão que, morto aos 64 anos - “ainda próspero e rijo”, fidalgo. Peralta quando criança, mimado pelo pai, irresponsável quando adolescente, tornou-se um homem egoísta a ponto de discutir com a irmã pela prataria que fiou de herança do pai e tornar-se amante de seu amigo, Lobo Neves, se bem que nesse romance não se pode dizer propriamente que alguém é amigo de outro.

O romance tem uma perspectiva deslocada: é narrado por tal defunto, que reconta a própria vida, do fim para o começo, num relato marcado pela franqueza e isenção. “Falo sem temer mais nada”, diz o morto. É Brás Cubas, personagem “esférico”, ou seja, de grande densidade psicológica, quem comenta as próprias mudanças. Brás Cubas, classificado pelos críticos como o grande hipócrita da Literatura brasileira, é um sujeito sem objetivos e muito contraditório, sempre rondando a periferia do poder.  Típico burguês da segunda metade do século XIX, encarna o homem que passou a vida sem conquistar nenhuma realização efetiva. Se na infância o personagem fora uma criança abastada e protegida, torna-se um jovem adulto leviano, em busca da melhor maneira de tirar vantagem. Sua conduta fica explícita quando descreve sua formação universitária na Europa:

 Não digo que a Universidade me não tivesse ensinado alguma; mas eu decorei-lhe só as fórmulas, o vocabulário, o esqueleto. Tratei-a como tratei o latim  – embolsei três versos de Virgílio, dois de Horácio, uma dúzia de locuções morais e política para as despesas da conversação. Tratei-os como tratei a história e a jurisprudência. Colhi de todas as coisas a fraseologia, a casca, a ornamentação (...)


Quando volta ao Brasil, por causa da doença da mãe, se defronta pela primeira vez com a questão da morte e vive então um momento de introspecção e reflexão. Quando reencontra Marcela velha e doente, retoma a ideia da passagem do tempo.



A isso Brás chama de teoria das edições da vida, anunciada nos primeiros capítulos, mas comentada muito depois.

Pois sabei que, naquele tempo, estava eu na quarta edição, revista e emendada, mas ainda inçada de descuidos e barbarismos; defeito que, aliás, achava alguma compensação no tipo, que era elegante, e na encadernação, que era luxuosa.
   
Na maturidade, começa a buscar a compensação pela existência sem nada de notável – sem filhos ou realizações: consegue um cargo público, busca notoriedade e respeitabilidade ao querer tornar-se ministro. Pouco antes de morrer, imagina ainda um último modo de se perpetuar: inventando um emplasto, uma medicação sublime.

A ironia é um dos traços mais marcantes da obra de Machado de Assis e aparece ainda mais acentuada nos chamados romances da maturidade. Pode ser entendida como mais um recurso para combater as verdades absolutas, das quais desacreditava por princípio. A construção irônica prevê sempre outros sentidos para o que é dito.
Machado de Assis utiliza-se da ironia como um recurso para fazer o leitor desconfiar das declarações, pensamentos e conclusões do narrador Brás Cubas.
    Ao comentar, no primeiro capítulo, sobre o amigo que lhe presenteia com um empolado discurso fúnebre, o narrador agradece as palavras ditas em tom de comoção exagerada com uma frase certeira: “Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei".
A digressão é outro elemento importante da linguagem machadiana. Consiste na interrupção do fluxo narrativo, que envereda por assuntos desvinculados do tema inicial, mas mantendo com ele alguma analogia criada pela mente de quem conta. Essa analogia, com algum esforço, pode ser percebida pelo leitor, desde que ele se mantenha atento.
    O leitor de Machado é constantemente solicitado a interagir criticamente com a obra, distanciando-se ainda mais do modelo de leitura proposto pelos romances românticos, que mobilizam a emoção e a imaginação.
    É o que acontece, por exemplo, na parte inicial do romance, quando Brás Cubas deixa em suspenso por vários capítulos a explicação para sua morte, que prometera desde o início, para passear descomprometidamente por assuntos tão díspares, quanto às pirâmides do Egito, e a sua árvore genealógica. Quando volta a falar da causa mortis, é para comentar, com ironia “... acabemos de uma vez com o nosso emplasto”. Como se já tivesse explicado antes do que se tratava!
Percebe-se, entretanto, a fraqueza de Brás Cubas, sua insegurança, seus medos. Bem diferente é o perfil de Virgília, já citado neste estudo.

Vejamos algo sobre a ciranda psicológica social, que rodeava a sociedade. Segundo Bossi[1]:

A psicologia das personagens adquire enorme importância aos nossos olhos, exatamente porque é a psicologia de classes sociais inteiras, ou peno menos de certas camadas sociais; e sendo assim, podemos verificar que os processos que se desenvolvem na alma das diferentes personagens são o reflexo consequente do movimento histórico a que pertence.

A observação, para o Realismo, era o método de mostrar ao leitor as várias camadas sociais e sua estrutura. Neste romance, é notado na busca incessante pela manutenção das classes ou da ascensão, as personagens trazem à tona uma sociedade em que aparências e opiniões definem o modo de portar de alguns, de acordo com os interesses principalmente se revela é vital para se perceber os vários estratos.
Brás Cubas conheceu Virgília antes mesmo de Lobo Neves. Numa vontade de unir política e casamento, o pai de Brás lhe propôs que se cassasse com a moça, assim alcançaria os dois objetivos ao mesmo tempo, uma vez que o pai dela era um homem de destaque e poderia interceder por ele, favorecendo-lhe a carreira política. O casamento era mostrado, como já citamos neste trabalho, como um passo necessário para tais acontecimentos e não mais como um ideal da época dos românticos.
Porém, o assunto não estava cercado e a noiva foi roubada por outro, bem como a candidatura. Virgília, a personificação da dissimulação, que ao longo da narrativa se mostrou hábil nos momentos de buscar seus ideais, tão logo aceitou o pedido de Lobo Neves, já demonstrava seus interesses ao confessar ao noivo seu desejo de se tornar baronesa. O casamento era a única possibilidade de ela alçar esse voo. Contudo, ainda que ele lhe prometesse mais, nenhum dos dois se realizou: o marido morreu sem sequer a chegar a ministro; a esposa não se tornou baronesa, tampouco marquesa.
Cubas e Virgília foram amantes durante muitos anos. Ela mantinha a aparência de boa esposa enquanto o marido cumpria seu papel de ser “o homem da casa”.

Com o tempo, seus encontros passaram a ser alvo de suspeitas, e como a situação se tornava perigosa, Cubas sugeriu que fugissem juntos para qualquer outro lugar distante; diante da recusa dela, algo precisava se feito: decidiram, então, alugar uma casinha da Gamboa. A verdade dura que Brás não queria enxergar era que dificilmente ela abriria mão de sua condição social em favor daquele romance, por mais que o amasse.
Por conseguinte, é claro a razão pela qual levou Brás Cubas a criar o tal emplasto; queria, acima de tudo, a fama. Era a sociedade das aparências, da valorização da opinião – pensamento que toma conta de toda a obra e que se reflete nas ações das personagens. A fama o tornaria imortal e importante – tudo ao qual mais deseja, mais do que o amor, mais do que Virgília.

Bento Santiago

Dom Casmurro é uma das obras clássicas machadiana que mais controvérsias têm levantado em relação ao enigma, que há em Capitu, e da incerteza que rodeia o livro: houve ou não adultério? Ou será que Bentinho imaginara tudo, era um obcecado?
O narrador-personagem, Bento Santiago,  sofre de vários problemas comportamentais, ao qual é notado durante a obra.  Sabemos, também, que por ele ser o narrador e personagem, fatos cruciais, que pode ter sido omitido pelo mesmo.
A história, de Dom Casmurro, tem como primeira chave, para tentarmos nos aproximar de seu enigma, a própria figura deste que, ao mesmo tempo a vive e a relata. Assim, trata-se de um velho solitário apelidado de Dom Casmurro – apelido dado por um rapaz que se aborreceu com Bento Santiago em um trem, por ter dormido enquanto aquele lia seus versos.
Outro ponto a ser mencionado no romance é o fato de seu narrador não ser confiável. Ele mente, distorce, dissimula e confunde o leitor com quem conversa ao longo da narração, anunciando a metalinguagem do século XX.
O romance realista começa com o fim do romance romântico, opondo-se criticamente a ele sendo, sem dúvida, à crítica ao romantismo e seus padrões da época, que era o casamento de aparências.
Em Dom Casmurro, a dramatização do ato de narrar é um dos componentes essenciais do enredo e da vida do protagonista. Tal dramatização consiste no seguinte: em vez de simplesmente escrever uma estória, Machado inventou um personagem – um pseudo-autor – de quem nos é dado ver o ato de escrever o seu próprio romance. Além de ser, também, entendido como uma auto-análise de Bento Santiago, sobrevivente único da estória. E por ser o único sobrevivente, não pode ser questionado por ninguém, pois todos já estão mortos.
Por fim, a suposta “traição” de Capitu com Escobar pode ser caída por terra, ou não. Podemos citar que por se tratar de algo imaginado por uma mente doentia, insegura e ciumenta de Bento Santiago, tal evento pode não ter ocorrido. Assim, trata-se de uma versão pessoal de acontecimentos dramáticos sujeita, portanto, as omissões voluntárias ou causais, e as deformações porventura preconcebidas, muito provavelmente, no interesse de uma defesa do narrador, perante sua própria consciência.
Entretanto, Bentinho, quando ainda mais jovem, era um pouco mais baixo que Capitulina, não apresentando traços físicos definidos, revelava-se como um moço rico, mimado pela mãe, talvez, por isso, não tinha a mesma personalidade forte, espírito vivaz e iniciativa da amiga.
A priori, Bento Santiago se dividia entre o amor de sua mãe, e o amor de Capitu. Enquanto escreve o livro, também se divide, mas agora é entre o passado e o presente; acusando e louvando a já morta, Capitu.
Bentinho jamais pretendeu ser padre, mas fora sua mãe que o determinou a tal atitude. Seus planos eram de se casar, futuramente, com sua amiga e amada, Capitulina.
Depois de velho, e após tantas perdas, como a morte de seus familiares e amigos, passou a viver solitário e totalmente isolado. Ele mesmo afirma isso: “(...) uso louça velha e mobília velha. Em verdade, pouca pareço e menos falo. Distrações raras, o mais do tempo e gasto em horta, jardins e ler, como bem e não durmo mal”.
Quanto a Capitulina, apelidada de Capitu, no início da narrativa, estava com 14 anos, e um pouquinho mais alta que Bentinho, como já fora antes citado. Ela tinha os cabelos grossos negros e compridos até a cintura. Seus olhos eram negros e misteriosos a ponto de despertar no narrador a comparação com a ressaca do mar. Era esperta, inteligente, extrovertida e criativa. Foi ela quem pensou, primeiramente, em tomar atitudes quanto ao fato de Bentinho tornar-se padre. Após a entrada dele no seminário, ela passou a maior parte do tempo com D. Glória, e tornam-se muito ligadas.
O narrador-personagem, Bento Santiago, deixa transparecer nas entrelinhas um defeito de Capitu, que era o fato dela ser pobre.
Escobar era um rapaz polido de olhos claros e dulcíssimos – opinião de José Dias.

“A cara raspada mostra uma pele alva e lisa. A testa é que era um pouco baixa,... era interessante de rosto, boca fina e chocarreira, o nariz curvo e delgado. Olhos claros, esbelto, era um pouco fugitivo, com as mãos,... com tudo”.

Escobar e Bentinho se conheceram no seminário e rapidamente tornam-se bons amigos. Ele, pelo fato que tinha facilidade com os números, sonhava ser comerciante e assim que abandonasse o seminário se dedicaria ao cultivo do café.
Ele era peça fundamental da trama, pois Bentinho pensava que Escobar e Capitu eram amantes.
José Dias, aquele o qual usava calças brancas engomadas, presilhas, rodaque e gravata de mola. Era muitíssimo magro, com um princípio de calva, e dedicado à família de Bentinho, até a morte. Ele era agregado em casa de D. Glória; apresentava-se como médico, mas não o era.
Conclui-se que, quanto à personalidade de Bentinho, nada mais era que um reflexo de homem fraco e sem personalidade, ao qual, deixava-se levar, assim com o vento, pelas opiniões alheias – principalmente as de José Dias, o agregado.

 Quincas Borba

Diferentemente das obras estudadas anteriormente, Quincas Borba é, em certa medida, narrado pelo próprio Machado de Assis.
Neste romance, porém, Machado de Assis assume a postura de escritor/narrador. A passagem a seguir, como outras da obra, quebra a objetividade do narrador em 3ª pessoa:
Este Quincas Borba, se acaso me fizeste o favor de ler Memórias Póstumas de Brás Cubas, é aquele mesmo náufrago da existência, que ali aparece, mendigo, herdeiro inopinado e inventor de uma filosofia. Aqui o tens agora, em Barbacena.
Assim, as narrativas de Memórias Póstumas de Brás Cubas e de Quincas Borba tocam-se no início do capítulo IV, sendo uma espécie de continuação daquela. Mas a história de Quincas Borba é completamente outra.
Este romance mostra a caminhada de Rubião para a loucura. De modo que o verdadeiro elo entre os romances é apenas o Humanitismo, filosofia com a qual Quincas Borba marcou sensivelmente Brás Cubas, mas da qual apesar de seus esforços, nada conseguiu transmitir a Rubião.
Princípio de Quincas Borba: “Nunca há morte. Há encontro de duas expansões, ou expansão de duas formas”.
Explicando de uma melhor maneira, criou a frase: “Ao vencedor, as batatas”, princípio esse que marcou e é o enfoque principal do enredo.
Contudo, a obra apresenta uma tese inventada por Quincas, de que a vida é um campo de batalha onde só os mais fortes sobrevivem e que fracos e ingênuos, como Rubião, são manipulados e aniquilados pelos superiores e espertos, como Palha e Sofia, que no fim da obra terminam vivos e ricos.
Ao lermos a obra, notamos algumas semelhanças entre ela e Memórias Póstmas de Brás Cubas. A história gira em torno da vida de Pedro Rubião de Alvarenga, ex-professor primário, que se torna enfermeiro e discípulo do filósofo Quincas Borba, que falece no Rio, na casa de Brás Cubas. Com isso, Rubião é nomeado herdeiro universal do filósofo, sob a condição de cuidar de seu cachorro, de nome Quincas Borba também.
Rubião, então, parte para o Rio de Janeiro e, na viagem, conhece o capitalista Cristiano de Almeida e Palha e também Sofia que lhe dispensava olhares e delicadezas. Sofia era mulher de Crtistiano, mas Rubião se apaixonou por ela, tendo em vista o modo em que os dois entraram em sua vida.
O amor era tão grande que Rubião foi obrigado a assumi-lo perante Sofia. Para o espanto, Sofia recusa seu amor, mesmo tendo lhe dado esperanças tempos atrás, e conta o fato para Cristiano.
Apesar de sua indignação, o capitalista continua suas relações com Rubião pois queria obter os restos da fortuna que ainda existia.
O amor de Sofia, não correspondido, aos poucos começa a despertar a loucura em Rubião. Essa loucura o levou à morte e foi comparada à mesma que causou o falecimento de Quincas Borba. Louco e explorado por várias pessoas, principalmente Palha e Sofia, Rubião morre na miséria e assim se exemplifica a tese do humanitismo.
Quanto a personalidade de Quincas, nota-se a personalidade flexível de tal personagem. Para tal, autor joga com palavras que simulam oscilações da estrutura que o substância, transformando de repente a personagem de “professor em capitalista”




[1] Apoud Alfredo Bosi. O enigma do olhar. São Paulo: Ática, 2000

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