Os narradores Machadianos: visão masculina
Já apontamos, em outro trabalho, algumas características das personagens femininas – Capítu,
Sofia Virgília – agora, falaremos um pouco sobre os narradores.
Estes narradores dos romances machadianos vivem envolvidos
em tramas, memórias,
reminiscências, falsas artimanhas, artifícios que têm à mão para envolver os
leitores em inumeráveis embustes, que os conduzem a reflexões e enigmas muitas vezes indecifráveis. Machado
tece suas narrativas de modo que seus leitores,
mesmo os “distraídos”, vão aderindo ao pacto de leitura, na tentativa de buscar os deciframentos para as
situações que lhes são postas. Isso faz parte da estratégia machadiana em colocar o seu leitor a par dos
questionamentos do ser humano e
dos reveses da vida.
Isso quer dizer que Machado, ao escrever suas obras, intencionalmente
adota a estratégia da reescritura como uma das formas de “dissimular”, dando
trabalho a seus leitores, principalmente àqueles que ingenuamente crêem estarem
decifrando o indizível, o enigmático de seus textos.
Percebemos, nos romances machadianos, por diversas vezes, as referências e
as citações que o romancista faz a grandes obras e grandes escritores e muitas das
citações são literais. Comprova-se, assim, que Machado não escrevia para um leitor
qualquer. Seus leitores necessitavam de outras leituras para que pudessem compreender
o sentido que pretendia, pois muitos deles estavam encobertos sob o “manto
diáfano da fantasia” (CANDIDO, 2000, p. 86), o que tornava imperativo um sistema
de chaves para abrir os esconderijos da sólida verdade, e deste modo, ele se
justificava.
Já com Memórias Póstumas de Brás Cubas a literatura brasileira atingiu a
sua maturidade. Marco inicial do Realismo, introduz o romance psicológico
na Literatura brasileira. Nesta obra, Machado de Assis desloca o foco de
interesse do romance. O seu enfoque central não é a vida social ou a descrição
das paisagens, mas a forma como seus personagens vêem e sentem as
circunstâncias em que vivem. Em vez de enfatizar os espaços externos, investe
na caracterização interior dos personagens, com suas contradições e
problemáticas existenciais.
O romance tem uma perspectiva deslocada: é narrado por um defunto, que
reconta a própria vida, do fim para o começo, num relato marcado pela franqueza
e inseção. "Falo sem temer mais nada", diz o morto. É Brás Cubas,
personagem “esférico”, ou seja, de grande densidade psicológica, quem comenta
as próprias mudanças. Brás Cubas, classificado pelos críticos como o grande
hipócrita da Literatura brasileira, é um sujeito sem objetivos e muito
contraditório, sempre rondando a periferia do poder. Típico burguês da
segunda metade do século XIX, encarna o homem que passou a vida sem conquistar
nenhuma realização efetiva. Se na infância o personagem fora uma criança
abastada e protegida, torna-se um jovem adulto leviano, em busca da melhor
maneira de tirar vantagem. Sua conduta fica explícita quando descreve sua formação
universitária na Europa.
Quando volta ao Brasil, por causa da doença da mãe, se
defronta pela primeira vez com a questão da morte e vive então um momento de
introspecção e reflexão. Quando reencontra Marcela velha e doente, retoma a
idéia da passagem do tempo. A isso Brás chama de teoria das edições da vida,
anunciada nos primeiros capítulos, mas comentada muito depois.
Na maturidade, começa a buscar a compensação pela
existência sem nada de notável, sem filhos ou realizações: consegue um cargo
público, busca notoriedade e respeitabilidade ao querer tornar-se ministro.
Pouco antes de morrer, imagina ainda um último modo de se perpetuar: inventando
um emplasto, uma medicação sublime.
Em suma, Brás Cubas – protagonista e narrador do romance – egoísta,
egocêntrico, entediado e como vimos petulante, irônico, pretensamente superior,
constitui uma espécie de inversão feita por Machado de Assis da trajetória
típica dos heróis do mundo burguês, tematizados na literatura realista. Tais
heróis, como, por exemplo, nos romances de Stendhal e Balzac, caracterizam-se
pela ascensão social geralmente relativizada pelo fracasso no plano afetivo.
Brás Cubas, por sua vez, não tem sucesso em nenhum setor, tornando-se uma
espécie de antimodelo através do qual Machado de Assis ironiza impiedosa e
ceticamente os valores burgueses em particular e os valores humanos em geral.
Além disso, questiona os modelos ideológicos e literários importados pelo
Brasil, fazendo-o não só através da negação do herói tradicional da literatura
realista, mas também da ridicularização das doutrinas positivistas e
deterministas, através do humanitismo e de seu criador, o filósofo-maluco
Quincas Borba.
Narrado em 1º pessoa por um narrador-personagem, que se coloca como
escritor, a história de Dom Casmurro
tem como primeira chave para tentarmos nos aproximar de seu enigma a própria
figura deste que ao mesmo tempo a vive e relata.
Trata-se de um velho homem solitário, apelidado de Dom Casmurro, que por
cansaço da monotonia em que vive, passa a relatar sua história. Outro ponto a
ser mencionado, é o fato de seu narrador não ser confiável. Ele mente,
distorce, confunde o leitor, com quem conversa ao longo da narração, anunciando
a metalinguagem da literatura do século XX.
Machado adota um narrador unilateral, fazendo dele o eixo da forma
literária, então inscrevia entre os romancistas inovadores, além de convergir
com os espíritos adiantados da Europa, que sabiam que toda representação
comporta um elemento de vontade ou interesse, o dado oculto a examinar, o
indício da crise da civilização burguesa – como já fora citado anteriormente.
No romance, a dramatização do ato de narrar é um dos componentes essenciais
do enredo e da vida do protagonista.
Tal dramatização consiste no seguinte: em vez de simplesmente escrever
uma estória, Machado inventou uma personagem (um pseudo-autor) de quem nos é
dado ver o ato de escrever o seu próprio romance.
O romance Dom Casmurro também
pode ser entendido como uma auto-análise de Bento Santiago, sobrevivente único
de uma estória de amor, com um final amargo: pois o mesmo julga-se traído pela
amada esposa e pelo seu melhor amigo Escobar. Vários anos após a morte da
esposa, ele decide escrever o livro para restaurar no presente o equilíbrio
perdido no passado
O ponto de vista de Bentinho domina tudo na narrativa. Até mesmo os
demais personagens que passam de projeções de sua alma. São lembranças do seu
passado, que vão ressurgindo do subsolo da memória à medida que ele procura a
reconciliação em si mesmo.
Bentinho, quando ainda mais
jovem, era um pouco mais baixo que Capitulina, não apresentando traços físicos
definidos, revelava-se como um moço rico, mimado pela mãe, talvez, por isso,
não tinha a mesma personalidade forte, espírito vivaz e iniciativa da amiga.
A priori, Bento Santiago se
dividia entre o amor de sua mãe, e o amor de Capitu. Enquanto escreve o livro,
também se divide, mas agora é entre o passado e o presente; acusando e louvando
a já morta, Capitu.
Bentinho jamais pretendeu ser
padre, mas fora sua mãe que o determinou a tal atitude. Seus planos eram de se
casar, futuramente, com sua amiga e amada, Capitulina.
Depois de velho, e após
tantas perdas, como a morte de seus familiares e amigos, passou a viver
solitário e totalmente isolado. Ele mesmo afirma isso: “(...) uso louça velha e mobília velha. Em verdade, pouca pareço e
menos falo. Distrações raras, o mais do tempo e gasto em horta, jardins e ler,
como bem e não durmo mal”.
Quanto a Capitulina,
apelidada de Capitu, no início da narrativa, estava com 14 anos, e um pouquinho
mais alta que Bentinho, como já fora antes citado. Ela tinha os cabelos grossos
negros e compridos até a cintura. Seus olhos eram negros e misteriosos a ponto
de despertar no narrador a comparação com a ressaca do mar. Era esperta,
inteligente, extrovertida e criativa. Foi ela quem pensou, primeiramente, em
tomar atitudes quanto ao fato de Bentinho tornar-se padre. Após a entrada dele
no seminário, ela passou a maior parte do tempo com D. Glória, e tornam-se
muito ligadas.
O narrador-personagem, Bento
Santiago, deixa transparecer nas entrelinhas um defeito de Capitu, que era o
fato dela ser pobre.
Já Quincas Borba, onde
é o único caso que não é narrador, mas sim um personagem. Notamos que, em
síntese, ele se destaca pelos seguintes atributos: filósofo doido, esquisito,
“com freqüente alteração de humor”, “ímpetos sem motivo”, “ternura sem
proporção”, extravagante (cap. V), bom, alegre, lutava contra o pessimismo
(cap. V) e desejava a sua continuidade através dos tempos como comprova a sua
filosofia “borbista”, de natureza “humorística”, o Humanitismo. Depois que
morreu, passou, por metempsicose, ao corpo do seu cão, como sugerem as dúvidas
de Rubião ao longo da narrativa:
Olhou para o
cão, enquanto esperava que lhe abrissem a porte. O cão olhava para ele, de tal
jeito que parecia estar ali dentro o próprio e defunto Quincas Borba; era o
mesmo olhar meditativo do filósofo, quando examinava negócios humanos... (Cap.
XLIX).
Como ressalta o crítico
Massaud Moisés:
encarnado-se em
seu cachorro, Quincas Borba continuou a exercer enorme influência, pois eu fiel
amigo é um contraponto constante na evolução dos acontecimentos, pelas vezes em
que aparece contracenando com Rubião. A preeminência indiscutível do animal
sobra s demais personagens, com exceção do Rubião, justifica-se por aquele
intuito satírico geral que orienta a obra, levando o leitor a pensar em como
apenas um cão se salva do mundo de misérias em que vivem as demais criaturas do
romance. Se não se trata de elogio de animalidade inconsciente, ou da mera
inconsciência, pois Quincas Borba é um cão diferente dos outros, por trazer
dentro de si um filósofo idealista e sonhados, é, sem sombra de dúvida, um
recurso de fábula semelhante aos usados por La Fontaine, um dos escritores mais
apreciados por Machado de Assis.
Descrição dos
personagens masculinos
Brás Cubas
O que podemos afirmar sobre este personagem, que também é narrador, senão
que, morto aos 64 anos - “ainda próspero e rijo”, fidalgo. Peralta quando
criança, mimado pelo pai, irresponsável quando adolescente, tornou-se um homem
egoísta a ponto de discutir com a irmã pela prataria que fiou de herança do pai
e tornar-se amante de seu amigo, Lobo Neves, se bem que nesse romance não se
pode dizer propriamente que alguém é amigo de outro.
O romance tem uma perspectiva deslocada: é narrado por tal defunto, que
reconta a própria vida, do fim para o começo, num relato marcado pela franqueza
e isenção. “Falo sem temer mais nada”, diz o morto. É Brás Cubas, personagem
“esférico”, ou seja, de grande densidade psicológica, quem comenta as próprias
mudanças. Brás Cubas, classificado pelos críticos como o grande hipócrita da
Literatura brasileira, é um sujeito sem objetivos e muito contraditório, sempre
rondando a periferia do poder. Típico burguês da segunda metade do século
XIX, encarna o homem que passou a vida sem conquistar nenhuma realização
efetiva. Se na infância o personagem fora uma criança abastada e protegida,
torna-se um jovem adulto leviano, em busca da melhor maneira de tirar vantagem.
Sua conduta fica explícita quando descreve sua formação universitária na
Europa:
Não digo que a
Universidade me não tivesse ensinado alguma; mas eu decorei-lhe só as fórmulas,
o vocabulário, o esqueleto. Tratei-a como tratei o latim – embolsei três
versos de Virgílio, dois de Horácio, uma dúzia de locuções morais e política
para as despesas da conversação. Tratei-os como tratei a história e a
jurisprudência. Colhi de todas as coisas a fraseologia, a casca, a ornamentação
(...)
Quando volta ao Brasil, por causa da doença da mãe, se defronta pela
primeira vez com a questão da morte e vive então um momento de introspecção e
reflexão. Quando reencontra Marcela velha e doente, retoma a ideia da passagem
do tempo.
A isso Brás chama de teoria das edições da vida, anunciada nos primeiros
capítulos, mas comentada muito depois.
Pois sabei que, naquele tempo, estava eu na
quarta edição, revista e emendada, mas ainda inçada de descuidos e barbarismos;
defeito que, aliás, achava alguma compensação no tipo, que era elegante, e na
encadernação, que era luxuosa.
Na maturidade, começa a buscar a compensação pela existência sem nada de
notável – sem filhos ou realizações: consegue um cargo público, busca
notoriedade e respeitabilidade ao querer tornar-se ministro. Pouco antes de
morrer, imagina ainda um último modo de se perpetuar: inventando um emplasto,
uma medicação sublime.
A ironia é um dos traços mais marcantes da obra de Machado de Assis e
aparece ainda mais acentuada nos chamados romances da maturidade. Pode ser
entendida como mais um recurso para combater as verdades absolutas, das quais
desacreditava por princípio. A construção irônica prevê sempre outros sentidos
para o que é dito.
Machado de Assis utiliza-se da ironia como um recurso para fazer o leitor
desconfiar das declarações, pensamentos e conclusões do narrador Brás Cubas.
Ao comentar, no primeiro
capítulo, sobre o amigo que lhe presenteia com um empolado discurso fúnebre, o
narrador agradece as palavras ditas em tom de comoção exagerada com uma frase
certeira: “Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe
deixei".
A digressão é outro elemento importante da linguagem machadiana. Consiste
na interrupção do fluxo narrativo, que envereda por assuntos desvinculados do
tema inicial, mas mantendo com ele alguma analogia criada pela mente de quem
conta. Essa analogia, com algum esforço, pode ser percebida pelo leitor, desde
que ele se mantenha atento.
O leitor de Machado é
constantemente solicitado a interagir criticamente com a obra, distanciando-se
ainda mais do modelo de leitura proposto pelos romances românticos, que
mobilizam a emoção e a imaginação.
É o que acontece, por exemplo,
na parte inicial do romance, quando Brás Cubas deixa em suspenso por vários
capítulos a explicação para sua morte, que prometera desde o início, para
passear descomprometidamente por assuntos tão díspares, quanto às pirâmides do
Egito, e a sua árvore genealógica. Quando volta a falar da causa mortis, é para
comentar, com ironia “... acabemos de uma vez com o nosso emplasto”. Como se já
tivesse explicado antes do que se tratava!
Percebe-se, entretanto, a fraqueza de Brás Cubas, sua insegurança, seus
medos. Bem diferente é o perfil de Virgília, já citado neste estudo.
Vejamos algo sobre a ciranda psicológica social, que rodeava a sociedade.
Segundo Bossi[1]:
A psicologia das personagens adquire enorme importância aos nossos olhos,
exatamente porque é a psicologia de classes sociais inteiras, ou peno menos de
certas camadas sociais; e sendo assim, podemos verificar que os processos que
se desenvolvem na alma das diferentes personagens são o reflexo consequente do
movimento histórico a que pertence.
A observação, para o Realismo, era o método de mostrar ao leitor as
várias camadas sociais e sua estrutura. Neste romance, é notado na busca
incessante pela manutenção das classes ou da ascensão, as personagens trazem à
tona uma sociedade em que aparências e opiniões definem o modo de portar de
alguns, de acordo com os interesses principalmente se revela é vital para se
perceber os vários estratos.
Brás Cubas conheceu Virgília antes mesmo de Lobo Neves. Numa vontade de
unir política e casamento, o pai de Brás lhe propôs que se cassasse com a moça,
assim alcançaria os dois objetivos ao mesmo tempo, uma vez que o pai dela era
um homem de destaque e poderia interceder por ele, favorecendo-lhe a carreira
política. O casamento era mostrado, como já citamos neste trabalho, como um
passo necessário para tais acontecimentos e não mais como um ideal da época dos
românticos.
Porém, o assunto não estava cercado e a noiva foi roubada por outro, bem
como a candidatura. Virgília, a personificação da dissimulação, que ao longo da
narrativa se mostrou hábil nos momentos de buscar seus ideais, tão logo aceitou
o pedido de Lobo Neves, já demonstrava seus interesses ao confessar ao noivo
seu desejo de se tornar baronesa. O casamento era a única possibilidade de ela
alçar esse voo. Contudo, ainda que ele lhe prometesse mais, nenhum dos dois se
realizou: o marido morreu sem sequer a chegar a ministro; a esposa não se
tornou baronesa, tampouco marquesa.
Cubas e Virgília foram amantes durante muitos anos. Ela mantinha a
aparência de boa esposa enquanto o marido cumpria seu papel de ser “o homem da
casa”.
Com o tempo, seus encontros passaram a ser alvo de suspeitas, e como a
situação se tornava perigosa, Cubas sugeriu que fugissem juntos para qualquer
outro lugar distante; diante da recusa dela, algo precisava se feito:
decidiram, então, alugar uma casinha da Gamboa. A verdade dura que Brás não
queria enxergar era que dificilmente ela abriria mão de sua condição social em
favor daquele romance, por mais que o amasse.
Por conseguinte, é claro a razão pela qual levou Brás Cubas a criar o tal
emplasto; queria, acima de tudo, a fama. Era a sociedade das aparências, da
valorização da opinião – pensamento que toma conta de toda a obra e que se
reflete nas ações das personagens. A fama o tornaria imortal e importante –
tudo ao qual mais deseja, mais do que o amor, mais do que Virgília.
Bento Santiago
Dom
Casmurro é uma das obras clássicas machadiana que mais controvérsias têm
levantado em relação ao enigma, que há em Capitu, e da incerteza que rodeia o
livro: houve ou não adultério? Ou será que Bentinho imaginara tudo, era um
obcecado?
O narrador-personagem, Bento
Santiago, sofre de vários problemas
comportamentais, ao qual é notado durante a obra. Sabemos, também, que por ele ser o narrador e
personagem, fatos cruciais, que pode ter sido omitido pelo mesmo.
A história, de Dom Casmurro, tem como primeira chave,
para tentarmos nos aproximar de seu enigma, a própria figura deste que, ao
mesmo tempo a vive e a relata. Assim, trata-se de um velho solitário apelidado
de Dom Casmurro – apelido dado por um
rapaz que se aborreceu com Bento Santiago em um trem, por ter dormido enquanto
aquele lia seus versos.
Outro ponto a ser mencionado
no romance é o fato de seu narrador não ser confiável. Ele mente, distorce,
dissimula e confunde o leitor com quem conversa ao longo da narração,
anunciando a metalinguagem do século XX.
O romance realista começa com
o fim do romance romântico, opondo-se criticamente a ele sendo, sem dúvida, à
crítica ao romantismo e seus padrões da época, que era o casamento de
aparências.
Em Dom Casmurro, a dramatização do ato de narrar é um dos componentes
essenciais do enredo e da vida do protagonista. Tal dramatização consiste no
seguinte: em vez de simplesmente escrever uma estória, Machado inventou um
personagem – um pseudo-autor – de quem nos é dado ver o ato de escrever o seu próprio
romance. Além de ser, também, entendido como uma auto-análise de Bento
Santiago, sobrevivente único da estória. E por ser o único sobrevivente, não
pode ser questionado por ninguém, pois todos já estão mortos.
Por fim, a suposta “traição”
de Capitu com Escobar pode ser caída por terra, ou não. Podemos citar que por
se tratar de algo imaginado por uma mente doentia, insegura e ciumenta de Bento
Santiago, tal evento pode não ter ocorrido. Assim, trata-se de uma versão
pessoal de acontecimentos dramáticos sujeita, portanto, as omissões voluntárias
ou causais, e as deformações porventura preconcebidas, muito provavelmente, no
interesse de uma defesa do narrador, perante sua própria consciência.
Entretanto, Bentinho, quando ainda mais jovem, era um pouco mais baixo
que Capitulina, não apresentando traços físicos definidos, revelava-se como um
moço rico, mimado pela mãe, talvez, por isso, não tinha a mesma personalidade
forte, espírito vivaz e iniciativa da amiga.
A priori, Bento Santiago se dividia entre o amor de sua mãe, e o amor de
Capitu. Enquanto escreve o livro, também se divide, mas agora é entre o passado
e o presente; acusando e louvando a já morta, Capitu.
Bentinho jamais pretendeu ser padre, mas fora sua mãe que o determinou a
tal atitude. Seus planos eram de se casar, futuramente, com sua amiga e amada,
Capitulina.
Depois de velho, e após tantas perdas, como a morte de seus familiares e
amigos, passou a viver solitário e totalmente isolado. Ele mesmo afirma isso:
“(...) uso louça velha e mobília velha. Em verdade, pouca pareço e menos falo.
Distrações raras, o mais do tempo e gasto em horta, jardins e ler, como bem e
não durmo mal”.
Quanto a Capitulina, apelidada de Capitu, no início da narrativa, estava
com 14 anos, e um pouquinho mais alta que Bentinho, como já fora antes citado.
Ela tinha os cabelos grossos negros e compridos até a cintura. Seus olhos eram
negros e misteriosos a ponto de despertar no narrador a comparação com a
ressaca do mar. Era esperta, inteligente, extrovertida e criativa. Foi ela quem
pensou, primeiramente, em tomar atitudes quanto ao fato de Bentinho tornar-se
padre. Após a entrada dele no seminário, ela passou a maior parte do tempo com
D. Glória, e tornam-se muito ligadas.
O narrador-personagem, Bento Santiago, deixa transparecer nas entrelinhas
um defeito de Capitu, que era o fato dela ser pobre.
Escobar era um rapaz polido de olhos claros e dulcíssimos – opinião de
José Dias.
“A cara raspada mostra uma pele alva e lisa. A testa é que era um pouco
baixa,... era interessante de rosto, boca fina e chocarreira, o nariz curvo e
delgado. Olhos claros, esbelto, era um pouco fugitivo, com as mãos,... com
tudo”.
Escobar e Bentinho se conheceram no seminário e rapidamente tornam-se
bons amigos. Ele, pelo fato que tinha facilidade com os números, sonhava ser
comerciante e assim que abandonasse o seminário se dedicaria ao cultivo do
café.
Ele era peça fundamental da trama, pois Bentinho pensava que Escobar e
Capitu eram amantes.
José Dias, aquele o qual usava calças brancas engomadas, presilhas,
rodaque e gravata de mola. Era muitíssimo magro, com um princípio de calva, e
dedicado à família de Bentinho, até a morte. Ele era agregado em casa de D.
Glória; apresentava-se como médico, mas não o era.
Conclui-se que, quanto à personalidade de Bentinho, nada mais era que um
reflexo de homem fraco e sem personalidade, ao qual, deixava-se levar, assim
com o vento, pelas opiniões alheias – principalmente as de José Dias, o
agregado.
Quincas Borba
Diferentemente das obras estudadas anteriormente, Quincas Borba é, em certa medida, narrado pelo próprio Machado de
Assis.
Neste romance, porém, Machado de Assis assume a postura de
escritor/narrador. A passagem a seguir, como outras da obra, quebra a
objetividade do narrador em 3ª pessoa:
Este Quincas
Borba, se acaso me fizeste o favor de ler Memórias Póstumas de Brás Cubas, é
aquele mesmo náufrago da existência, que ali aparece, mendigo, herdeiro
inopinado e inventor de uma filosofia. Aqui o tens agora, em Barbacena.
Assim, as narrativas de Memórias Póstumas de Brás Cubas e de Quincas
Borba tocam-se no início do capítulo IV, sendo uma espécie de continuação
daquela. Mas a história de Quincas Borba é completamente outra.
Este romance mostra a caminhada de Rubião para a loucura. De modo que o
verdadeiro elo entre os romances é apenas o Humanitismo, filosofia com a qual
Quincas Borba marcou sensivelmente Brás Cubas, mas da qual apesar de seus
esforços, nada conseguiu transmitir a Rubião.
Princípio de Quincas Borba: “Nunca há morte. Há encontro de duas
expansões, ou expansão de duas formas”.
Explicando de uma melhor maneira, criou a frase: “Ao vencedor, as
batatas”, princípio esse que marcou e é o enfoque principal do enredo.
Contudo, a obra apresenta uma tese inventada por Quincas, de que a vida é
um campo de batalha onde só os mais fortes sobrevivem e que fracos e ingênuos,
como Rubião, são manipulados e aniquilados pelos superiores e espertos, como
Palha e Sofia, que no fim da obra terminam vivos e ricos.
Ao lermos a obra, notamos algumas semelhanças entre ela e Memórias Póstmas de Brás Cubas. A
história gira em torno da vida de Pedro Rubião de Alvarenga, ex-professor
primário, que se torna enfermeiro e discípulo do filósofo Quincas Borba, que
falece no Rio, na casa de Brás Cubas. Com isso, Rubião é nomeado herdeiro
universal do filósofo, sob a condição de cuidar de seu cachorro, de nome
Quincas Borba também.
Rubião, então, parte para o Rio de Janeiro e, na viagem, conhece o
capitalista Cristiano de Almeida e Palha e também Sofia que lhe dispensava
olhares e delicadezas. Sofia era mulher de Crtistiano, mas Rubião se apaixonou
por ela, tendo em vista o modo em que os dois entraram em sua vida.
O amor era tão grande que Rubião foi obrigado a assumi-lo perante Sofia.
Para o espanto, Sofia recusa seu amor, mesmo tendo lhe dado esperanças tempos
atrás, e conta o fato para Cristiano.
Apesar de sua indignação, o capitalista continua suas relações com Rubião
pois queria obter os restos da fortuna que ainda existia.
O amor de Sofia, não correspondido, aos poucos começa a despertar a
loucura em Rubião. Essa loucura o levou à morte e foi comparada à mesma que
causou o falecimento de Quincas Borba. Louco e explorado por várias pessoas,
principalmente Palha e Sofia, Rubião morre na miséria e assim se exemplifica a
tese do humanitismo.
Quanto a personalidade de Quincas, nota-se a personalidade flexível de
tal personagem. Para tal, autor joga com palavras que simulam oscilações da
estrutura que o substância, transformando de repente a personagem de “professor
em capitalista”
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