A Ilustre Casa de Ramires
Após uma análise sobre o
romance, A Ilustre Casa de Ramires, de
Eça de Queirós, foi-nos proposto o desenvolvimento sobre a suposta evidência
cabal de que o mesmo, segundo a tradição, que no final de sua vida e de sua
obra, reconciliou-se com os valores tradicionais e com a cultura portuguesa,
passando a vê-los como positivos e saudáveis.
Entretanto, apontaremos o
contrário, e a ineficácia de tal afirmativa, ao provar que é nas últimas
obras queirosiana – ao qual vão desde 1887 a 1900, conhecida como a terceira
fase – que o autor construiu, em tal fase, as críticas mais severas ao país,
sua sociedade e política e não mais diremos se tratar de uma crítica
moralizante, muito menos da reconciliação com o país.
Descreveremos um detalhe de
suma importância para nosso trabalho que é o fato do romance se tratar de uma
narrativa passada no campo, o oposto dos anteriores da primeira fase: O crime do
padre Amaro e Primo Basílio, ao qual se passam na cidade.
Assim, a partir de Os Maias, e nos póstumos
romances, o ponto de vista passa a ser o do campo, mudando totalmente a forma
de escrita, mas não deixando a crítica. A tal detalhe importante faremos nossa
defesa, explicando-a e apontando tais informações, que são primordiais para o
entendimento da análise do romance. Para isso, o contexto da história de
Portugal e crucial para melhor entendermos o que estava acontecendo no mundo,
ao final do século XIX e início do século XX.
2. Resumo Biográfico
José Maria Eça de
Queirós, nasceu em Póvoa do Varzim (norte de Portugal). Filho de uma relação
amorosa considerada ilícita, Eça foi criado longe dos pais, e desde de muito
cedo o escritor teria sido marcado pela consciência aguda dos preconceitos e da
hipocrisia da sociedade burguesa.
Entre 1861 e 1866
estudou Direito na tradicional Universidade de Coimbra, presenciando - sem
participar diretamente - o início da Questão Coimbrã (também
conhecida como a Questão do bom senso e do bom gosto), famosa
polêmica que introduziu o Realismo em Portugal. Ligou-se por essa ocasião
ao grupo renovador chamado “Escola de Coimbra”, responsável pela introdução do
Realismo em Portugal. Eça não participou diretamente da “Questão Coimbrã” (1865),
a polêmica em que jovens defensores de novas idéias literárias, artísticas e
filosóficas liderados por Antero de Quental, defrontaram-se com os velhos
românticos , ultrapassados e conservadores , liderados por Visconde de
Castilho.
Entre 1867 e 1872
desenvolveu sua carreira jurídica, paralelamente às atividades de jornalista e
escritor. Dedicou-se ao jornalismo depois de formado, e viajou pelo Oriente. Em
1871, participou das “Conferências Democráticas do Cassino Lisbonense” (uma
série de palestras proferidas pela juventude intelectual ávida de mudanças no
cenário artísticos lusitano) – nova etapa da campanha que implantou em Portugal
as novas perspectivas culturais do Realismo falando sobre o “Realismo como nova
expressão da arte”. A partir desta data ingressa no serviço diplomático,
servindo em vários países até alcançar o cobiçado posto de cônsul em Paris. Este
contato direto com outros países e culturas mais “avançados” em relação a
Portugal talvez tenham acentuado sua compreensão do provincianismo e do atraso
do país, intensificando nele o desejo - característico de sua geração - de
contribuir para a reforma da pátria.
No ano de 1886, Eça de
Queirós se casa com Emília, filha do Conde de Resende, e se aproxima cada vez
mais do ambiente da aristocracia portuguesa. Logo em seguida, em 1889, ingressa
num grupo de intelectuais e políticos socialmente bem sucedidos e que, no
entanto, se auto designavam como os Vencidos da Vida. Este
sentimento de derrota advinha da consciência do fracasso de suas idéias
críticas diante da realidade desoladora de Portugal. Em síntese, esse grupo de
intelectuais apresentava uma complexidade ideológica bastante comum no final do
XIX, fruto de uma mistura de Decadentismo, Niilismo e Aristocracismo, que
por sua vez marcará a última fase da produção queirosiana.
A obra de Eça de
Queirós é dividida em três fases. A primeira ainda próxima do espírito
romântico, cujo melhor exemplo está em Prosas
Bárbaras. A segunda, acentuadamente Realista-Naturalista, na qual
o autor produz uma crítica ácida e ferina em relação à sociedade e à burguesia
portuguesas e seus aspectos mais revoltantes. Nesta fase se encontram os
romances mais combativos e virulentos de Eça de Queirós, entre eles O Crime do Padre Amaro, O Primo Basílio e A Relíquia. Finalmente a
terceira fase é marcada por um abrandamento da crítica e por um desejo de
reconciliação com Portugal (defendido tal afirmativa pela tradição, ao qual nos
opomos), aqui encontram-se romances famosos como A Ilustre Casa de Ramires e A cidades e as Serras.
Eça de Queirós viveu um
dos períodos mais contraditórios da história e da literatura portuguesa, e sua
obra acompanha de perto as oscilações ideológicas, sociais e culturais de seu
tempo. Este é o representante maior da prosa realista em Portugal. Grande
renovador do romance, abandonou a linha romântica – assim como afirma a
tradição ao qual mais a frente mostraremos sua ineficácia ao relatar tal
afirmativa -, e estabeleceu uma visão critica da realidade. Afastou-se do
estilo clássico, que pendurou por muito tempo na obra de diversos autores
românticos, deu a frase uma maior simplicidade, mudando a sintaxe e inovando na
combinação das palavras. Evitou a retórica tradicional e os lugares comuns,
criou novas formas de dizer, introduziu neologismos e, principalmente, utilizou
o adjetivo de maneira inédita e expressiva. Este novo estilo só teve antecessor
em Almeida Garrett e valeu a Eça a acusação de galicismo e estabeleceu os
fundamentos da prosa moderna da Língua Portuguesa.
Assim, no dia 16 de
Agosto de 1900 Eça morre em Paris. Deixava um episódio literário que veio a ser
publicado aos poucos.
2.1 Obras
- O
mistério da estrada de Sintra (1870); O Crime do Padre Amaro
(1875)
- A
tragédia da rua das flores (1877-78); O Primo Basílio
(1878)
- O mandarim (1880); As
minas de Salomão (1885); A relíquia (1887)
- Os Maias (1888); Uma campanha
alegre (1890-91)
- O tesouro (1893); A Aia (1894); Adão
e Eva no paraíso (1897)
- Correspondência
de Fradique Mendes; A
Ilustre Casa de Ramires (todos em 1900)
- A cidade e as serras
(1901, póstumo); Contos
(1902, póstumo); Prosas bárbaras
(1903, póstumo)
- Cartas
de Inglaterra; Ecos
de Paris (todos em 1905, póstumo)
- Cartas familiares e bilhetes de Paris
(1907, póstumo)
- Notas
contemporâneas (1909, póstumo); Últimas
páginas (1912, póstumo)
- A Capital;
O
conde de Abranhos; Alves & Companhia;
Correspondência
(todos em 1925, póstumo)
- O Egipto (1926, póstumo); Cartas inéditas de Fradique Mendes
(1929, póstumo)
- Eça de Queirós entre os seus - Cartas íntimas
(1949, póstumo).
2.2 O Realismo/Naturalismo de Eça de
Queirós
A falta de
correspondência entre a imaginação romântica e a necessidade de uma arte
realista e a crítica já havia sido deflagrada por ocasião da Questão Coimbrã
(1865), em que o jovem poeta Antero de Quental polemizara contra o
representante da literatura oficial, Antônio de Castilho. Contra essa
literatura considerada “acéfala”, representante de um romantismo desgastado,
surge o programa realista da geração de Eça de Queirós, formada por Antero de
Quental, Oliveira Martins e Teófilo Braga, entre outros. Nas palestras
proferidas sobre a nova arte, esses escritores declaravam que a função da
literatura seria analisar a sociedade a partir da observação, e não da imaginação. Só a observação seria crítica e
minuciosa realidade poderia servir de substrato a obras que se pretendiam
revolucionárias, representantes de uma “arte de combater”. Tendo por mestres os
escritores franceses Hyppolite Taine e Émile Zola, Eça de Queirós adere ao
Naturalismo, segundo o qual a literatura deve-se nortear por uma perspectiva
não só realista, mas também científica. Assim, a criação romanesca passaria a
ser fruto dos fatores sociais que determinam os comportamentos humanos;
como qualquer fenômeno natural, esses comportamentos (especialmente anômalos)
poderiam ser definidos a priori,
desde que se estudassem as circunstâncias externas que o produziram. Surge o
romance de tese, em que situações e personagens são concebidas para demonstrar
as causas de certos problemas sociais. Norteado por essa concepção de
literatura, Eça de Queirós escreve O
Crime do Padre Amado (1875) e O Primo
Basílio (1878). Nos últimos livros de Eça de Queirós, verifica-se a
questão, ao qual, o tradicionalismo diz que o mesmo abandonou as convicções
antigas, mudando sua opinião e forma de escrever, não mais atacando a sociedade
lisboense, abandonando, assim, o programa da “literatura de combate”, profissão
de fé do Realismo/Naturalismo, para assim mostrar as belezas de Portugal. Tal
questão será melhor explicada mais a frente.
2.3
Portugal da época de Eça de Queirós
Portugal, país ao qual o passado
fora coberto de glória, mas cujo presente de humilhações frente ao cenário
político internacional; que no passado, alçara à condição de grande império
ultramarino e, no presente, vive uma crise decorrente da instabilidade política
e da ausência de projetos nacionais; tal é o perfil de Portugal no fim do
século XIX. O liberalismo, vigente No país desde 1834 com a instituição das
Cortes Constituintes, não fora capaz de ditar novos rumos para a economia
portuguesa, que perdera sua maior colônia com o advento da independência do
Brasil. Sem ter apresentado grandes avanços na indústria, Portugal se vê à
margem do novo sistema vigente na Europa, o capitalismo industrial e financeiro.
Em 1851, um golpe introduz no país a proposta de Regeneração, baseada na
necessidade de “progresso”, ou seja, de desenvolvimento industrial. Com efeito,
esta trouxe algum progresso, mas a distância que separava Portugal dos demais
países europeus ainda era enorme. Por exemplo, em 1856, enquanto a Inglaterra contava
com doze mil quilômetros de ferrovias, Portugal inaugurava sua primeira estrada
de ferro, abrangendo 36 quilômetros. Os partidos Regenerador e Histórico
(oposição) alternaram-se no poder, mas não apresentaram mudanças substanciais
para oferecer ao país condições de rivalizar com as demais potências. Outro
fator que coloca Portugal em desvantagem é a sua impotência diante da política
imperialista adotada pelos países desenvolvidos no fim do século XIX. Na
corrida neocolonialista que toma lugar no quadro geopolítico internacional,
Inglaterra é o novo império ultramarino, seguido por França, Bélgica, Alemanha
e Itália. Desde o século XVII, Portugal mantinha com o reino britânico uma
relação de dependência e subserviência que culminou na disputa neocolonialista
por territórios africanos. O fator agravante dessa disputa foi o Ultimato inglês: em 1890, a Inglaterra
ordenara que Portugal retirasse suas tropas da região entre Moçambique e Angola
(colônias portuguesas na África), e a ordem foi submissamente acatada pelo país
ibérico. O orgulho português ferido foi o mote usado pela campanha republicana,
que se fortaleceu até que, em 1910, o sistema monárquico foi extinto.
3. A
Ilustre Casa de Ramires: Resumo da Obra
3.1 O Romance de Gonçalo Ramires
Gonçalo Mendes Ramires retorna -
após a conclusão do curso de Direito em Coimbra e após uma breve estadia em
Lisboa - para suas terras no interior de Portugal, próximas à cidade de
Oliveira e à Vila Clara. Aí reencontra a mesma monotonia provinciana de anos
atrás. Sua irmã, Graça Ramires, está casada com o rico e simplório José
Barrolo, chamado pelos colegas de bacoco, num claro deboche de sua simplicidade
de parvo.
Os seus bons e inseparáveis
companheiros, Titó (Antônio Villalobos), João Gouveia (Administrador da aldeia
de Vila Clara) e o músico Videirinha - que há muito vem escrevendo um fado,
ajudado pelo padre Soeiro, sobre os feitos heróicos da ilustre casa de Ramires
- continuam os mesmos. E os criados da casa, Rosa e Bento estão a levar a vida
de sempre.
Acima de tudo, o oprime a mediocridade da vida provinciana e a necessidade imperativa de se impor na vida política nacional, o que lhe parece ser a única saída possível para a sua condição de fidalgo decaído.
Acima de tudo, o oprime a mediocridade da vida provinciana e a necessidade imperativa de se impor na vida política nacional, o que lhe parece ser a única saída possível para a sua condição de fidalgo decaído.
Dentro deste espírito e incitado
por um amigo, o José Castanheiro (editor de uma revista a ser lançada em breve
e chamada Anais de Literatura e de História), ele resolve escrever uma novela
(A Torre de D. Ramires) sobre um velho e ilustre antepassado: Tructesindo
Ramires. Assim, tendo como cenário os restos da antiga fortificação
medieval erguida por seus remotíssimos avós, e que se encontram na sua Quinta
de Santa Irinéia, ele se põe a recontar a história de sua casa e de Portugal.
Da fortificação resta, na verdade, apenas os escombros da velha torre, como do
glorioso passado português resta apenas à recordação.
Para tal fim Gonçalo lança mão um poema já escrito por um tio materno, que ele - com ajuda de outros livros de inspiração medieval (Alexandre Herculano e Walter Scott) -vai vertendo para uma prosa na maioria das vezes banal. No entanto, a tarefa não é fácil e muitas vezes se torna estafante. Paralelamente à escritura da novela, ele se envolve com as atividades do cotidiano, que passam pela administração da quinta, e é obrigado a enfrentar situações que demonstram a fraqueza de seu caráter. A mais marcante se dá quando ele se vê obrigado a arrendar a quinta para um lavrador conhecido como José Casco, e empenha sua palavra no negócio. Porém, logo em seguida um outro lavrador melhor qualificado, o Manuel Pereira , lhe oferece uma quantia maior pelo mesmo direito de arrendamento, e Gonçalo aceita a segunda proposta se esquecendo da palavra já empenhada ao Casco.
Para tal fim Gonçalo lança mão um poema já escrito por um tio materno, que ele - com ajuda de outros livros de inspiração medieval (Alexandre Herculano e Walter Scott) -vai vertendo para uma prosa na maioria das vezes banal. No entanto, a tarefa não é fácil e muitas vezes se torna estafante. Paralelamente à escritura da novela, ele se envolve com as atividades do cotidiano, que passam pela administração da quinta, e é obrigado a enfrentar situações que demonstram a fraqueza de seu caráter. A mais marcante se dá quando ele se vê obrigado a arrendar a quinta para um lavrador conhecido como José Casco, e empenha sua palavra no negócio. Porém, logo em seguida um outro lavrador melhor qualificado, o Manuel Pereira , lhe oferece uma quantia maior pelo mesmo direito de arrendamento, e Gonçalo aceita a segunda proposta se esquecendo da palavra já empenhada ao Casco.
Aliás, este episódio coincide
narrativamente com um momento no qual Gonçalo conta os feitos heróicos de
seu longínquo antepassado Tructesindo, que justamente entra num combate para
não recuar da palavra empenhada. Aqui Eça de Queirós, através de uma
ironia fina, demonstra o caráter frágil desta aristocracia incapaz de dar
continuidade à grandeza do passado português. Porém, lentamente Gonçalo
caminhará para a redescoberta destes valores heróicos de seu passado, alterando
sua trajetória pessoal.
A transformação de Gonçalo pode
ser interpretada como um símbolo do destino Português, e traz elementos típicos
do romance de formação. Outro fato também o desagrada sumamente: o sucesso
político de André Cavaleiro, outrora seu grande amigo, e “namorado” de sua irmã.
Gonçalo nutre por ele um ódio que se manifesta publicamente por meio de
comentários violentos envolvendo via de regra a bigodeira do Cavaleiro. Este,
por sua vez, ocupa agora o lugar de Governador Civil de Oliveira, cargo antes exercido
pelo falecido pai de Gonçalo. A ruptura, sem nenhuma justificativa, do namoro
existente entre André e Gracinha está na origem desse rancor que os
separa. Inesperadamente, o Deputado Sanches Lucena, velho e rico
proprietário da região, falece deixando toda a fortuna para a esposa D. Ana
Lucena e uma cadeira vaga no parlamento. Eis a chance tão esperada. No entanto,
a indicação para o lugar passa diretamente pela vontade do Governador Civil. Aconselhado
pelo amigo João Gouveia e movido pelo interesse, ele reata sua amizade com
André Cavaleiro, para assombro de toda a cidade. O que não se dá sem que antes
ele sofra uma aguda crise de consciência, pois tal reconciliação implica na
aproximação entre o Governador e Gracinha, que ainda nutre sentimentos inconfessos
pelo antigo namorado. Eis aí a sombra de um possível adultério. Aliás, tema tão
caro aos romances da segunda fase de Eça de Queirós.
Com a reconciliação, começa a
campanha de Gonçalo em direção ao parlamento. Porém, em meio aos preparativos,
ele surpreende um encontro furtivo entre a irmã e o Cavaleiro. Horrorizado ele
se retira para a quinta e se afasta da irmã, do cunhado e do suposto
amigo. Neste momento, Gonçalo decide retomar a sua narrativa, e passa a
considerar a possibilidade de se casar com a viúva do Lucena (agora uma mulher
riquíssima), apesar de sentir uma forte repulsa por ela.
Em meio a todos estes
acontecimentos, uma noite Gonçalo tem um pesadelo no qual seus remotíssimos
antepassados lhe depositam no colo suas armas e o incitam a seguir-lhes o
caminho da bravura. Na manhã que sucede a este pesadelo, Gonçalo resolve sair a
cavalo e reencontra acidentalmente um camponês (o valentão Ernesto de
Nacejas) que já o havia destratado duas vezes, sem que o fidalgo houvesse
esboçado a menor reação de revidar as ofensas sofridas, tal era o seu grau de
covardia diante dos perigos da vida.
Nesta manhã, inexplicavelmente, Gonçalo sente-se tomado de uma energia e de uma coragem que até então lhe eram desconhecidas: ele enfrenta o inimigo com violência, ao ponto de quase desfigurar-lhe a face com um chicote. Depois da luta ele retorna à quinta, e para sua surpresa reencontra a irmã e o cunhado.
Nesta manhã, inexplicavelmente, Gonçalo sente-se tomado de uma energia e de uma coragem que até então lhe eram desconhecidas: ele enfrenta o inimigo com violência, ao ponto de quase desfigurar-lhe a face com um chicote. Depois da luta ele retorna à quinta, e para sua surpresa reencontra a irmã e o cunhado.
Neste mesmo dia, ao conversar com
cunhado, Gonçalo descobre que o Cavaleiro estava ausente de Oliveira há algum
tempo. E, portanto, afastado de Graçinha. Reconciliado parcialmente com a
própria consciência, ele retoma sua campanha política. Lentamente Gonçalo
vai descobrindo a simpatia que as pessoas nutrem por sua pessoa e por sua nobre
origem, sentimento que ele mal suspeitara até então, e que lhe faz perceber que
ele seria eleito mesmo sem a ajuda do Governador Civil.
Chega o dia da eleição e Gonçalo
vence. Nesta mesma noite, ao contemplar o vale do alto da torre iluminada, ele
percebe com clareza a mesquinhez de seu caráter e de seus objetivos.
Alguns meses depois, o fidalgo parte para Lisboa, assume o cargo e começa a levar uma vida mundana, até que inexplicavelmente desiste de tudo e viaja para a Zambézia na África, de onde retorna, quatro anos depois, rico e estabelecido.
Alguns meses depois, o fidalgo parte para Lisboa, assume o cargo e começa a levar uma vida mundana, até que inexplicavelmente desiste de tudo e viaja para a Zambézia na África, de onde retorna, quatro anos depois, rico e estabelecido.
3.2 A novela A Torre de D.
Ramires
Gonçalo
Mendes Ramires, inspirado num poemeto épico escrito por um tio e publicado num
periódico de província (O Bardo), resolve contar os feitos heróicos de sua estirpe,
em especial de Tructesindo Ramires. Este nobre antepassado de Gonçalo tudo
sacrificou, inclusive a vida do próprio filho, para defender a palavra e a
honra empenhada. Tructesindo Ramires, fiel vassalo e alferes-mor de D.
Sancho, jurara a este rei defender a honra e vida da infanta D. Sancha. Com
a morte do monarca abre-se uma luta pela sucessão e pela afirmação de D. Afonso
II no trono de Portugal, e este se indispõe com suas irmãs D. Teresa e D.
Sancha. A infanta busca ajuda e apoio no rei de Leão e Castela
(tradicionais inimigos da nação portuguesa), e convoca o socorro de Tructesindo
Ramires. Este atende prontamente ao apelo da infanta - consciente que lutará ao
lado de antigos inimigos - e manda seu próprio filho, Lourenço Ramires, a
frente de uma primeira força guerreira, enquanto ele próprio prepara um grupo
fortemente armado que lhe seguirá.
Lourenço é interceptado em meio
da jornada por um grupo fortemente armado e comandado por Lopo de Baião, o
Bastardo, que fora enviado por D. Afonso II, com ordens de impedir o avanço das
forças de Tructesindo. No entanto, por atrás deste motivo aparente Lopo de
Baião esconde um desejo de vingança pessoal, pois no passado ele havia se
apaixonado por D. Violante, filha de Tructesindo, que havia lhe negado a dama
em casamento. As duas forças se enfrentam duramente, Lourenço sai
derrotado, e é feito prisioneiro pelo Bastardo, que em seguida marcha em
direção ao castelo dos Ramires. Ao alcançar as fortes muralhas, ele manda um
arauto solicitar uma audiência com Tructesindo. Durante o diálogo Lopo de
Baião tenta demover o velho guerreiro de ajudar a infanta e insiste em alcançar
a permissão de se unir a D. Violante. Tructesindo Ramires mostra-se irredutível
em relação às duas propostas, e o Bastardo degola impiedosamente Lourenço
diante dos olhos do pai. Em seguida, foge com seus guerreiros. Tructesindo
mantém-se quase imperturbável diante da morte do filho, e sai em busca do
covarde assassino. Em meio a perseguição seu grupo chega a uma encruzilhada e o
chefe guerreiro ordena que três batedores encontrem a pista de Lobo de Baião. Com
as informações trazidas por eles, D. Garcia Veigas, o Sabedor - amigo e
companheiro fiel de Tructesindo - descobre a estratégia de fuga do Bastardo.
Eles também ficam sabendo que há pouca distância está D. Pedro de Castro, amigo
do velho Ramires e partem em busca de abrigo em suas terras. D. Garcia
elabora um plano de captura do traidor covarde. A estratégia é colocada
imediatamente em prática e obtém sucesso. Lopo de Baião cai prisioneiro das
forças de Tructesindo e é submetido a uma morte humilhante e dolorosíssima: ele
é amarado aos restos de uma ponte num lago infestado de sanguessugas que
lentamente lhe consomem até a última gota de sangue.
Interessante é observar que esta
cena final, tão adequada ao passado glorioso e guerreiro de Portugal, apresenta
também um claro viés Naturalista pela crueza da descrição de aspectos
fisiológicos cruéis e repulsivos. A elaboração estética da cena está de acordo
com os objetivos de Gonçalo ao escrever sua novela histórica, pois ele desejava
dar um forte colorido Realista à narrativa despindo-a das brumas românticas nas
quais seu tio havia envolvido a trágica história de Tructesindo Ramires.
3.3. A Análise
da Obra
A Ilustre Casa de Ramires, como é
notório, trata-se de uma obra que Eça de Queirós não chegou a ver publicada,
razão pela qual se costuma designá-la como semi-póstuma. Considerado, inquestionavelmente,
um dos seus romances mais importantes, reflexo de muito trabalho e almejo pela
perfeição, característica peculiar da escrita queirosiana, nele existem
diferenças entre o que aborda a tradição e o que defenderemos a seguir. Com
isso, o presente estudo, portanto, busca apontar a ineficácia das afirmações
feitas pela tradição, ao qual defende, segundo Moisés (1990):
“A
terceira e última fase da carreira de Eça de Queirós corresponde aos anos
seguintes à publicação dOs Maias
(1888) até à morte do escritor (1900). Alcançando a maturidade, o escritor
resolve erguer uma obra de sentido construtivo, fruto da dolorosa consciência
de ter investido inutilmente contra o burguês e a família. Ao derrotismo e
pessimismo analítico da etapa anterior, sucede um momento de otimismo, de
esperança e fé, transubstanciado em idealismo não mais científico, mas
tendo por base o culto dos valores rechaçados. A Ilustre Casa de Ramires (1900) [...] contém a viragem operada em
sua carreira, dirigida agora no sentido da superação da ironia, pelo menos da
ironia zombeteira, e da sátira dissolvente. A crença substitui o ceticismo
cínico e corrosivo de antes”. (Moisés, A literatura portuguesa, 1990 [25ª.
ed.1990], p. 196.)
Em contraposição a tal
afirmativa, temos uma outra defesa, ao qual nos é mais coerente. Este, por sua
vez, relata que não se trata de uma evidência cabal, ao qual Eça de Queirós, no
final de sua vida e de sua obra, reconciliou-se com os valores tradicionais e
com a cultura portuguesa, passando a vê-los como positivos e saudáveis, mas
sim, em contrapartida, é afirmado por Maia (2000):
“para
expor a fragilidade deste esquema em que se baseia a interpretação tradicional
da trajetória de Eça, é oportuno lembrar que justamente neste período de
maturidade, supostamente marcado pelo conservadorismo do escritor, ele escreve
seus textos mais críticos do ponto de vista político e social, que, por
exemplo, expõem uma crítica severa ao poder econômico da burguesia e prevêem
até mesmo (embora sem defendê-la) a tomada do poder pelo emergente proletariado
e o conseqüente ‘desmanche’ do capitalismo”. (MAIA, 2000, p. 133)
Por conseguinte, podemos afirmar
que vem à baixo toda a afirmação do tradicionalismo. Com isso, podemos dizer
que é sim nestas últimas obras (1887 a 1900, conhecida como a terceira fase
queirosiana) contém as críticas mais severas ao país, sua sociedade e política,
e não o contrário, o que diz se tratar de uma crítica moralizante, de
reconciliação com o país.
Em fim, podemos considerar segundo
a afirmação de Siqueira (2003, p. 1), que “Eça não estaria abandonando os seus
ideais socialistas, mas transformando os romances de panfletos em expressões
líricas de uma realidade que possuía qualidades e potencialidades”.
O que nos é mais proveitoso em
tal defesa é que o romance se passa no campo, e não na cidade. Aspectos
relevantes que nos fazem pensar na diferença ao qual Eça usou uma forma
diferencia na escrita, mas sem perder o estilo das fases anteriores. Pois, como
nos é sabido, a primeira fase: O crime do padre Amaro e Primo Basílio, é passado na cidade. Já a partir de
Os Maias, e nos últimos romances, o ponto de vista passa a ser o do
campo. Segundo Siqueira (2003):
“Resgatando
valores históricos da vida rural lusitana e contrapondo-os aos vícios e às
vicissitudes da existência urbana, o escritor – ao assumir o timing da
pulsação do campo, as qualidades de seu modo reflexivo devidas à proximidade
com a natureza – vai substituindo a crítica por um desejo de entendimento e
reflexão sobre a vida social lusitana”. (SIQUEIRA, 2003, p.1)
Em suma, é nos fácil afirmar que
Eça apresenta-nos em sua obra o impasse do momento de transição que a sociedade
portuguesa estava passando. Com isso, fica-nos claro a passada de uma posição
para outra na relação campo-cidade – de igual forma a da vida social do país,
ao qual se alternava entre os dois pólos.
Com isso, como cita Siqueira, p.
4, tal ideia nos leva a “concluir que a atenção de Eça estava bastante
inclinada para a problemática neocolonialista e suas repercussões políticas e
culturais”. Assim, é fácil notarmos a importância de uma interpretação da obra queirosiana por uma dialética da relação campo-cidade
– feita por Antônio Cândido[1].
Por
conseguinte, percebemos que a primeira fase dessa obra ancora-se numa dialética
positiva, própria da dinâmica do sistema capitalista; nas obras da fase final,
uma dialética negativa informa a estrutura dos romances.
4.
Considerações Finais
Após a realização deste
trabalho podemos concluir que, A Ilustre
casa de Ramires, de Eça de Queirós, não se trata de uma evidência cabal de
que o autor, no final de sua vida e de sua obra, reconciliou-se com os valores
tradicionais e com a cultura portuguesa, passando a vê-los como positivos e
saudáveis. Pelo contrário, notamos que o mesmo se trata de uma das maiores obras,
onde Eça usou de uma crítica severa a seu país.
É notório apontar a grande importância
de uma interpretação bem feita da obra
queirosiana. Com isso, o uso de dialética da relação campo-cidade foi de suma
importância para o entendimento e defesa de nosso trabalho. Assim, fica-nos
evidente que a primeira fase dessa obra ancora-se numa dialética positiva,
própria da dinâmica do sistema capitalista; nas obras da fase final, como a
estuda, aplica-se a uma dialética negativa.
Por
conseguinte, podemos afirmar que o autor, Eça de Queirós, no fim da vida e de
sua obra, não mudou seu modo de pensar e ver Portugal, mas, sobretudo, desenvolveu
um outro método de escrita, utilizando-se de elementos do campo, ao invés da
cidade.
5.
Bibliografia
MAIA, J. R. "A visita ao velho sótão dos avós:
uma revitalização do presente pelo exemplo do passado?". In Beatriz
Berrini (org.). A ilustre Casa de Ramires: cem anos. S. Paulo:
EDUC, 2000.
MOISES,
Massaud. “A literatura portuguesa”, 25ª ed., Editora Cultrix – São Paulo, 1990.
QUEIRÓS,
José Maria Eça de. “A Ilustre Casa de Ramires”, 6ª ed., Série Bom Livro, Editora
Ática, 1999.
SIQUEIRA, José Carlos. "A dialética negativa
entre campo e cidade em Eça de Queirós". In: Anais do XIX Encontro
Brasileiro de Professores de Literatura Portuguesa. Curitiba:
ABRAPLIP, 2003._________. “Introdução”, in Eça ensaísta. Dissertação de
mestrado, FFLCH da USP,
Quais são os 3 projetos de gonçalo?
ResponderExcluir