Análise do Conto: Pai contra Mãe
1. Introdução
A
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produção do contista Machado de Assis se
inicia em 1858 (com Três tesouros
perdidos) e estende-se aos inícios do século XX, com a produção de quase
300 contos, publicados nos jornais e revistas da época. “O conto se tornou em suas mãos matéria dúctil, com fisionomia
reconhecível, na qual [...] exercia a magia encantatória de suas variações
sobre o tema predileto: a humanidade com seus vícios intemporais.”
Embora o
conto literário já viesse se firmando no Brasil a partir de meados do século XIX,
com Álvares de Azevedo e Bernardo Guimarães, é com Machado de Assis que essa
forma ficcional revela todas as suas possibilidades. Reconhecido como o maior
prosador da literatura brasileira, a produção de seus romances marcada pela
habilidade de construir textos mesclados da ironia nascida da observação da
sociedade em que vivia, é principalmente como contista que se revela um
narrador capaz de prender e conduzir a atenção de seu leitor.
Nos contos machadianos, revela-se
uma sociedade habitada por seres solitários capazes de alcançar tão somente uma
felicidade mesquinha. A vida desenrola-se como alguma coisa que escapa ao
controle dos personagens, alheia a suas vontades. A sociedade de convenções a
todos esmaga e a eles impõe vidas inautênticas, vazias.
O contador de casos, que se
distancia, numa postura literária de observador, e revela uma visão abrangente
da sociedade do Segundo Império e da Primeira República, faz do leitor uma
presença constante em suas narrativas. É como se a ironia que destila em seus
períodos curtos e marcantes fosse resultante do distanciamento procurado para a
observação e devesse ser partilhada com o leitor, com o qual divide observações
e do qual cobra o mesmo não-envolvimento.
Sobre a ironia, podemos afirmar
que está uma das vigas mestras da arte de escrever contos, ressaltada pela
urgência do pouco espaço.
Machado de Assis mostra extrema
habilidade na elaboração de seus contos de observação e psicológicos, com foco
narrativo autobiográfico, em que o ponto de vista da personagem narrador e suas
motivações tornam-se exclusivas. A ironia vai-se expandindo não só na análise
dos hábitos sócio-culturais da sociedade do Rio de Janeiro, mas na observação
da própria natureza humana, apresentada em seus vícios e limitações
permanentes. A apresentação dos personagens atende ao desenvolvimento desta que
foi a sua temática mais constante e se projeta no aspecto psicológico que os
revela.
Senso de observação, pessimismo,
ironia, sensualidade e um inegável senso de humor com que equilibra o pessimismo
são aspectos enfeixados em sua arte combinatória capazes de fazer de seus
contos o que Alfredo Bosi chama de “um
dos caminhos permanentes da prosa brasileira na direção da profundidade e da
universalidade”.
Neste conto, Pai contra mãe, avulta um Machado
quase desconhecido: o ficcionista social, capaz de interrogar, na ação
concreta dos homens, o que nelas é reflexo brutal da ordem vigente. Tudo isso
sem panfletarismo, sem populismo, sem concessões demagógicas. A cena do aborto
da escrava, em Pai contra mãe, vale por mil discursos contra a
escravidão.
2.
O escritor: Machado
Escritor acostumado a tratar de temas graves e
problemáticos com a ligeireza e a leveza de operetas, Machado de Assis não
possui muitos momentos como esse final - e se poderia incluir também o início -
em sua obra. O embate cru de interesses e a narrativa realista de um aborto,
provocado por violências, não são comuns na pena machadiana. Acreditamos ser
este inclusive, um dos fatores que levam tantos leitores a ver nesse conto a
escravidão como grande tema.
Assim,
segundo Cândido[1]: “Na razão inversa da sua prosa elegente e
discreta, do seu tom humorístico e ao mesmo tempo acadêmico, avultam para o
leitor atento as mais as desmedidas surpresas. A sua atualidade vem do encanto
quase intemporal de seu estilo e desse universo oculto que sugere os abismos
prezados pela literatura do século XX”.
Machado, através de "Pai contra mãe",
mostra como o negro livre e, no caso, o trabalhador branco e pobre, ao qual estão
em situação muito semelhante ao negro escravo. Ganha a liberdade, ou mesmo já a
possuindo por uma questão de origem, o trabalhador livre possuía pouca
perspectiva num país em que a bipolaridade social e econômica era, ainda, a
principal característica. Ou seja, de um lado o senhor branco, rico, nesse
momento não mais escravagista, e do outro o negro livre e o branco em estado
pleno de miséria, vivendo numa sociedade em que as possibilidades de mudança
são remotas. É esta a situação que Machado anuncia dentro de "Pai contra
mãe". A figura central do conto é de um trabalhador miserável que forma
uma família também miserável. Parece-me que Machado já antevia o que seria a
realidade do Brasil durante muitos anos - e sabemos que pouco mudou até hoje.
Agora, com
essa perspectiva de leitura em mente, podemos entender o porquê de Machado
voltar a escrever sobre a escravidão após seu término. Não é mais o seu alvo,
mas sim o fruto de seu fim: o trabalhador livre. Fácil entender o porquê do
início e do fim do conto terem a escravidão e seus processos tão ressaltados e
também o tempo escolhido para a narração da história. Não podia Machado falar de
uma classe – se pode denominá-la como tal - que mal começava a emergir na
sociedade brasileira. Não se pode esquecer que não se está falando do operário,
figura que só será realidade no Brasil a partir de nossa "revolução
industrial", iniciada na década de vinte de século XX. Machado só poderia
tratar daquela espécie de trabalhador, nunca do operário: são caixeiros,
quitandeiros, contínuos, tipógrafos, caçador de escravos...
Assim, por fim, podemos
dizer que Antonio
Candido escreveu que a
essência do pensamento machadiano é "a
transformação do homem em objeto do homem, que é uma das maldições ligadas à
falta de liberdade verdadeira, econômica e espiritual."
3. Análise do Conto
3.1.
Apresentação do conto
O conto Pai contra
Mãe, de Machado de Assis, publicado em 1906, no livro Relíquias da
Casa Velha, insere-se na fase “madura” do autor, de características
marcadamente Realistas. Ambienta-se no Rio de Janeiro do século XIX antes da
abolição da escravatura, que serve de pano de fundo para a narrativa, não se
configurando, porém, como a questão principal. Os aspectos sócio-econômicos das
personagens beiram a miséria, com dificuldades muito grandes, dependência e
escassez. O pensamento predominante é maquiavélico e capitalista, com destaque
para a “coisificação” do ser humano, resumindo os escravos a mercadorias.
3.2. A Escravidão: centro da história
Narrado em 3ª pessoa, é um dos contos
em que o autor apresenta a escravidão da maneira mais impressionante e brutal.
A instituição forma uma tela de fundo, um elemento do cenário em que se desenrola
a trama. Nesse conto a escravidão é o próprio centro da história. Aliás, na
primeira linha do conto, o autor escreve: "A escravidão levou consigo
ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais".
Temos, então, inserido no conto uma
contra-ideologia que, segundo Bosi[2]:
“só pode ser apanhada, no texto de
Machado, quando ele tenta escondê-la. O seu modo principal é o tom
pseudoconformista, na verdade escarninho, com que discorre sobre a normalidade
burguesa. Falando do ofício de perseguir escravos”.
Quando Machado escreveu este conto, a
escravidão havia sido abolida há mais de uma década e já parecia algo do
passado. Como quem não quer nada, Machado começou o conto como se fosse
escrever uma anedotinha sobre uma profissão desaparecida devido ao progresso. O
personagem do qual ele fala, Cândido, era um caçador de escravos fugidos que os
capturava para entregá-los aos seus senhores. Mas ele não andava por montes e
vales, vestido de botas, capa e chapéu grande, seguido por cachorros, como os
caçadores de escravos que trabalhavam para os senhores das zonas rurais.
Cândido trabalhava na cidade. Seu território de caça eram as ruelas, as
espeluncas, os mercados, as saídas das igrejas, as procissões, as aglomerações
do porto.
Assim, como afirma Alfredo Bosi: “o mal se causa nas junturas do sistema
escravocrata do Império brasileiro: nasce e cresce dentro de uma estrutura de
opressão”.
3.3. A escrita do conto
O início de "Pai contra mãe" é bastante
atípico na escrita machadiana: quatro grandes parágrafos descritivos. Entretanto,
sabemos que a descrição não aprazia a Machado. Seu interesse estava nos fatos,
nos acontecimentos, nas ações, enfim, era agindo que o homem se revelava para
nosso autor. Então, qual o sentido dessa considerável descrição iniciando um
conto?
Podemos somar a essa questão, ainda, a importância
da introdução em qualquer texto, pelo seu caráter de apresentação da obra e
conquista do leitor. Porém, antes de buscarmos resposta para essa pergunta,
vejamos o que descreve o narrador.
O primeiro período do primeiro parágrafo é bastante
revelador. Diz ele: "A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como
terá sucedido a outras instituições sociais". Tem-se qui alguns dados para
os quais vale a pena chamar atenção. Primeiro, para a questão temporal. O tempo
verbal usado na primeira oração é o pretérito perfeito - "levou".
Isto indica que o assunto de que se tratará é passado e findo.
Entretanto, outra informação que nos chama atenção
no referido período é o reconhecimento da escravidão como uma instituição
social. Aquela inicia o período, esta o fecha. As duas são complementares e
definidoras uma da outra. Será justamente a escravidão como instituição social
que dará “status” de ofício à atividade descrita no quinto parágrafo e que será
também o ofício do personagem principal: pegar escravos fugidos.
A seguir àquele período, o narrador parte para a
descrição dos aparelhos "por se
ligarem àquele ofício". O "ferro
ao pescoço", o "ferro ao
pé" e a "máscara de
folha-deflandres" são alguns desses aparelhos. As descrições são
também bastante peculiares. O narrador não se limita à simples descrição do
objeto: "a máscara de
folha-de-flandres tinha só três buracos, dois para ver, um para respirar, e era
fechada atrás da cabeça por um cadeado"; mas também descreve sua
função e utilidade social: "a
máscara fazia perder o vício da embriaguez dos escravos, por lhes tapar a boca
(...) com o vício de beber, perdiam a tentação de furtar, porque geralmente era
dos vinténs do senhor que eles tiravam com que matar a sede, e aí ficavam dois
pecados extintos (...) Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana
nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel".
Escritor acostumado a tratar de temas graves e
problemáticos com a ligeireza e a leveza de operetas, Machado de Assis não
possui muitos momentos como esse final - e se poderia incluir também o início -
em sua obra. O embate cru de interesses e a narrativa realista de um aborto,
provocado por violências, não são comuns na pena machadiana. Acredito ser esse
inclusive, um dos fatores que levam tantos leitores a ver nesse conto a
escravidão como grande tema.
3.4.
Narrador, tempo e espaço
O narrador do texto é
outro elemento importante para a construção da ironia nesta narrativa. Em terceira
pessoa, a sua perspectiva aproxima o leitor do tempo e do espaço através de
relatos históricos sobre os fatos que envolviam a escravidão, como na descrição
das crueldades das quais os escravos eram vítimas. Pareciam ser transformados
em coisas, deixando de ser humanos. Por exemplo, quando fugiam “grande parte era apenas repreendida; havia
alguém em casa que servia de padrinho, e o mesmo dono não era mau; além disso,
o sentimento da propriedade moderava a ação, por que dinheiro também dói”.
O escravo, essa coisa, objeto, mesmo quando fugisse, não poderia sofrer muitos
castigos, já que estes poderiam impedi-lo de prestar os serviços necessários a
seu senhor, inutilizando-o, causando assim, grande prejuízo.
Quando o narrador
comenta “nem todos gostavam da
escravidão” e “nem todos gostavam de apanhar pancadas”, qual pessoa
gostaria de viver em completa escravidão, à mercê dos mandos e desmandos de
alguém e, ainda por cima, levar algumas pancadas? Com sua ironia, parece que é
ele, quem dá uma pancada nesse sistema de escravatura.
3.5. Personagens
O seu caráter é o reflexo de sua
alma, é sensível, apaziguador e sensato: o seu rosto era o espelho da alma. Era
de entendimento claro e espírito simples; e foi essa a razão por que lhe deram
o nome de Cândido.
Como afirma Bosi que: “Cândido Neves, pobre mas branquíssimo até
no nome”. Aqui, pode-se dizer que, reside a ironia do Cândido machadiano,
pois seu caráter não revela nenhuma candura, antes pelo contrário mostra-se
insensível ao aborto da escrava, é extremamente desumano arrastando-a pelas
ruas até a casa do seu senhor, pois o que realmente importa para ele é
conseguir alcançar o seu propósito, que é ficar com o seu filho. O egoísmo é
sua marca principal.
Extremamente irônico, Machado,
constrói um Cândido que tem uma aversão ao trabalho, para ele todo oficio é
custoso, além disso, muitas vezes, quem trabalha não recebe o que merece. Assim
seus “empregos foram deixados pouco depois de obtidos". Então lhe
restou o oficio de pegar escravos fugidos, já que este estava destinado aos
inaptos para outros trabalhos, como era o seu caso. Segundo afirma Bosi, que “capturar escravos
fugidos era um ofício do tempo”.
Ele, porém, tinha necessidade de
estabilidade, e considerava isso má sorte ou infelicidade constante. Este,
todavia, no fim da obra, aceita que é mais importante a ação sobre a reflexão
filosófica.
É conveniente também citar a ironia
presente na construção de duas personagens do conto. Clara, cujo nome do latim
significa “brilhante”, “luzente”, “ilustre”, além da tonalidade, seu nome é
ligado ao brilho (de distinção). Distinção essa não revelada por sua
personalidade que mesmo em meio à perda de seu filho, não esboça nenhuma reação
e é sempre submissa aos desmandos da tia. Mônica, a tia, significa só, sozinha,
viúva, o que não acontece no texto, pois está, geralmente, perto do casal,
abrigando-os, participando de suas decisões, opinando, não fica sozinha, vive
em companhia dos dois.
Assim, segundo Alfredo Bosi, o conto
estudado dá: “testemunho tanto da vigência
dos protagonistas quanto da lógica que rege os seus atos. As ‘tendências da
alma’ e os ‘cálculos da vida’ somam-se na luta pela autoconcervação. Ambos têm
em comum a situação do homem juridicamente livre, mas pobre e dependente, que
está um degrau, mas só um degrau, acima do escravo. A essa condição ainda lhe
resta usar do escravo, não diretamente, pois não pode comprá-lo, mas por vias
transversas, entregando-o à fúria do senhor, delatando-o ou capturando-o quando
se rebela e foge. O poder desdobra-se em duas frentes: ele não é só dono do
cativo, é também dono do livre na medida em que o reduz a polícia de escravo”.
3.5.1. Perfil psicológico: personagens
Uma das maiores inovações de Machado de Assis foi
abandonar o gosto pela descrição, tanto da natureza, ao estilo romântico,
quanto dos costumes e do ambiente, à moda naturalista. A Machado sempre
interessou o contraste de caracteres e a sondagem dos sentimentos e idéias
íntimas de seus protagonistas. Os acontecimentos e o cenário só têm relevância quando
provocam reações psicológicas. Claro que a densidade de sua análise resulta de
um formidável senso de observação dos indivíduos e de um não menos vibrante
conhecimento da vida social. Ambos lhe permitiram concluir que há uma
descontinuidade, se não uma ruptura completa, entre as aparências exigidas pelo
mundo exterior, e a interioridade dos sujeitos.
Fazendo uma análise do
perfil psicológico das personagens, ele traz à tona o problema do egoísmo
humano e da tibieza de caráter que subjuga o discernimento. A sociedade
hipócrita em que se ambienta a narrativa é constantemente ironizada pelo
narrador que vê em seus mandos e desmandos uma tentativa de impor a ordem
social aos dominados, como se pudesse colocar-lhes uma máscara de
folha-de-flandres para impedir seus excessos. A oposição em que se apresentam
as personagens é uma briga de iguais que legitima o poder da classe dominante e
da qual sai vencedor o mais forte, apesar de sua fraqueza moral e instabilidade
emocional.
Assim, o conto “Pai contra Mãe” vem somar-se à
imensa obra realista de Machado de Assis, a qual prima pela característica que
o diferencia de outros escritores de sua época: sua habilidade incrível de
delinear o perfil psicológico humano a partir de elementos que, a priori
soariam secundários, mas que adquirem função primordial em suas narrativas.
E esse foi o grande legado deixado por Machado de
Assis para humanidade: obras que desvendam a psique humana e que expõem suas
mazelas e suas propriedades inconfessáveis.
3.6.
Características: verossimilhança e pessimismo
Para dar
verossimilhança aos fatos e reforçar a ironia à escravatura e à diminuição dos
seres, o espaço ambiente, na cidade do Rio de Janeiro, é fundamental, pois
sabemos que os nomes das ruas em que se desenrola a ação, são nomes reais, e
que muitos são os mesmos até hoje. Fato que torna essa narrativa extremamente
passível de verossimilhança externa.
Machado de Assis
apresenta um pessimismo, cuja fonte está em Schopenhauer, pensador alemão, que
afirmava que a essência do universo é a vontade ou o querer, entidade da qual
emana a parte verdadeira dos indivíduos. Mas a vontade, tanto em estado cósmico
quanto individual, é má, pois provoca a agitação, o egoísmo, o ciúme. Por isso
a nossa personagem principal age como age, coloca a sua vontade de continuar
com o filho acima de qualquer outra coisa, por isso é levado a agir com
egoísmo, luta corpo a corpo com a escrava para poder entregá-la a seu senhor, e
receber o dinheiro da recompensa, sem ao menos pensar que poderia agir de outra
forma para não maltratá-la, já que estava grávida.
4.
Considerações Gerais
Tendo em vista os aspectos
observados, acredita-se que Machado ao construir este conto utilizou elementos
que acentuam o tom irônico de suas palavras.
Os aspectos sócio-econômicos das
personagens beiram a miséria, com dificuldades muito grandes, dependência e
escassez. O pensamento predominante é maquiavélico e capitalista, com destaque
para a “coisificação” do ser humano, resumindo os escravos a mercadorias.
Fazendo um descortinamento do perfil
psicológico das personagens, ele traz à tona o problema do egoísmo humano e da
tibieza de caráter que subjuga o discernimento. A sociedade hipócrita em que se
ambienta a narrativa é constantemente ironizada pelo narrador que vê em seus
mandos e desmandos uma tentativa de impor a ordem social aos dominados, como se
pudesse colocar-lhes uma máscara de folha-de-flandres para impedir seus
excessos.
A oposição em que se apresentam as personagens é uma
briga de iguais que legitima o poder da classe dominante e da qual sai vencedor
o mais forte, apesar de sua fraqueza moral e instabilidade emocional.
Dentro do universo narrativo, Machado deixa entrever
claramente a contemplação irônica dada às personagens por meio de nomes que não
correspondem à realidade de suas personalidades. Por exemplo, o nome “Cândido” que
nos remete a uma relação de pureza e inocência, opondo-se às características que
predominam no protagonista, sendo ele rude e de caráter duvidoso. Por sua vez,
Clara, nome da mulher de Cândido, além da tonalidade poderia pressupor brilho,
luz; o que não se confirma na realidade da narrativa, apresentando-se ela como
submissa e “apagada”.
O casamento de Cândido também pode ser visto como
algo que merece destaque. Apesar de ser ele alguém sem grandes ambições e
gostar de vida fácil, questiona-se porque se casaria com alguém que não poderia
dar-lhe boa vida?
Sendo ela submissa e influenciável, infere-se que
Clara legitimaria a vida medíocre ambicionada por Cândido Neves.
O final dramático, o descaso de Candinho e de todos
para com o aborto de Arminda, a denúncia vigorosa do sistema escravista e a
linguagem cruelmente irônica são características deste conto, representativo
dos melhores momentos de Machado de Assis.
Por conseguinte, ele não se contenta apenas em
narrar histórias, ele é capaz de transformá-las em verdadeiras bandeiras
ideológicas, revelando em suas personagens os traços mais irreveláveis e também
os mais desprezíveis.
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