Sonetos: Bocage
Sobre estas duras, cavernosas fragas,
Que o marinho furor vai carcomendo,
Me estão negras paixões n'alma fervendo
Como fervem no pego as crespas vagas.
Razão feroz, o coração me indagas,
De meus erros e sombra esclarecendo,
E vás nele (ai de mim!) palpando, e vendo
De agudas ânsias venenosas chagas.
Cego a meus males, surdo a teu reclamo,
Mil objectos de horror co'a idéia eu corro,
Solto gemidos, lágrimas derramo.
Razão, de que me serve o teu socorro?
Mandas-me não amar, eu ardo, eu amo;
Dizes-me que sossegue: eu peno, eu morro.
Estrutura interna:
Quatro momentos distintos:
- 1ª quadra, exposição (confissão) do estado em que se encontra o sujeito poético;
- 2ª quadra, o papel da Razão, que é o de amenizar ou solucionar os efeitos da paixão (uso do gerúndio);
• No 1º terceto, o comportamento do sujeito poético;
• No 2º terceto, o “eu”, mesmo com auxílio da razão, rende-se ao amor. A Razão não prevalece.
Elementos neoclássicos:
• A forma (soneto)
• A presença da Razão
• Elementos românticos:
• A luta entre o amor e a razão
• O tom confessional do poema
• A vitimização do «eu» (resultado da sua impotência na luta entre o amor e a Razão)
• A presença de vocabulário que nos remete para um lócus horrendus
- Metáfora (vv 3/4, 8/9, 13); comparação (vv 3/4); apóstrofe (vv 5, 12); adjetivação (duras, cavernosas, marinho, negras, crespas, feroz, agudas, venenosas, cego, surdo); sinestesia (vv 7, 9); personificação (da Razão (voz da consciência)); hipérbole (vv 10, 13/14); pergunta de retórica (v 12); paradoxo (vv 13/14); quiasma (v 11); gradação crescente (vv 11, 14).
- Notar certo tom teatral (interjeição exclamativa (v 7) e pergunta de retórica (v 12)).
Incultas produções da mocidade
Exponho a vossos olhos, ó leitores:
Vede-as com mágoa, vede-as com piedade,
Que elas buscam piedade, e não louvores:
Ponderai da Fortuna a variedade
Nos meus suspiros, lágrimas e amores;
Notai dos males seus a imensidade,
A curta duração de seus favores:
E se entre versos mil de sentimento
Encontrardes alguns cuja aparência
Indique festival contentamento,
Este poema é proposição às “Rimas“, livro do poeta, daí o seu tom de autocrítica e de modéstia com que se apresenta - que elas buscam piedades e não (buscam) louvores.
Onde “que” é igual a “porque”. Fortuna, Fingimento e Dependência estão em maiúscula porque o poeta as quis personificar.
Ó retrato da Morte! Ó Noite amiga,
Por cuja escuridão suspiro há tanto!
Calada testemunha de meu pranto,
De meus desgostos secretária antiga!
Pois manda Amor que a ti sòmente os diga
Dá-lhes pio agasalho no teu manto;
Ouve-os, como costumas, ouve, enquanto
Dorme a cruel que a delirar me obriga.
E vós, ó cortesãos da escuridade,
Fantasmas vagos, mochos piadores,
Inimigos, como eu, da claridade!
Em bandos acudi aos meus clamores;
Quero a vossa medonha sociedade,
Quero fartar o meu coração de horrores.
Estrutura interna:
Dois momentos distintos:
• As duas quadras, em que o sujeito poético se dirige à «Noite amiga», «retrato da Morte»; neste primeiro momento, assistimos à caracterização da noite (retrato da Morte, amiga, testemunha, confidente) e ao pedido para que, uma vez mais, ouça os seus desabafos, os seus lamentos;
• Os dois tercetos, em que se dirige aos «mochos piadores», «cortesãos da escuridade» e «inimigos da claridade»; neste segundo momento, o poeta suplica aos mochos que, com a sua «medonha sociedade», o ajudem a fartar o seu coração de horrores;
• O estado de alma do poeta é o resultado da falta de afectos, a conseqüência da «cruel» que dorme (ao contrário dele que passa uma noite de insônia) e que o obriga a delirar (v 8);
Elementos neoclássicos:
• A forma (soneto)
• A presença da mitologia (Amor (Cupido, filho de Marte e de Vênus))
• O vocábulo escuridade
• Elementos românticos:
• O tom confessional do poema
• Certa linguagem teatral (tom declamatório com presença de algumas interjeições e de exclamações)
• O uso de vocabulário tétrico (Morte, escuridão, pranto, desgostos, cruel, escuridade, Fantasmas, piadores, medonha, horrores) que nos aproxima dum ambiente próprio dum lócus horrendus.
Alguns recursos estilísticos:
- Personificação da Noite e dos mochos (v 9); apóstrofe (v 1/4, 6/7, 9/12); elipse (v 3); anástrofe (vv 4/5, 8, 12); adjetivação (amiga, calada, antiga, pio, vagos, piadores, inimigos, medonha); reiteração (vv 7, 13/14 (através da anáfora)); anáfora (vv 7, 13/14); sinestesia (vv 3, 5, 7, 9, 11/12); metáfora (vv 1, 4, 6, 9, 10, 13); comparação (v 11);
- Notar a existência de dois versos sáficos (com acento rítmico nas 4ª, 8ª e 10ª sílabas métricas): 8 14.
Meu ser evaporei na luta insana
Do tropel de paixões que me arrastava:
Ah! cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
Em mim quase imortal a essência humana!
De que inúmeros sóis a mente ufana
Existência falaz me não dourava!
Mas eis sucumbe Natureza escrava
Ao mal, que a vida em sua origem dana.
Prazeres, sócios meus, e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta em si não coube,
No abismo vos sumiu dos desenganos
Deus, ó Deus!... Quando a morte a luz me roube,
Ganhe um momento o que perderam anos,
Saiba morrer o que viver não soube.
Este poema é o resultado de uma atitude introspectiva do sujeito poético, o que vai determinar a respectiva estrutura interna. Assim, podemos considerar dois momentos distintos:
- As duas quadras e o 1º terceto, estrofes em que o sujeito poético confessa ter gasto a sua vida «na lida insana do tropel de paixões», porque a sua «mente ufana» (orgulhosa) imaginava que a essência humana era imortal, ou quase, e porque, afinal, se deixou seduzir por inúmeros sóis que lhe não indicaram o caminho da luz;
- O último terceto, que corresponde ao momento do arrependimento: num ato de contrição, o sujeito poético dirige-se a Deus, desejando ser digno no momento da sua morte, já que considera que o não foi durante a vida;
- Notar o contraste entre o ritmo heróico (6ª e 10ª sílabas) dos dois primeiros versos, marcando palavras como evaporei insana, paixões e arrastava, relacionadas com comportamentos de prazer e paixão, e o ritmo sáfico (4ª, 8ª e 10ª sílabas) dos dois últimos, marcando palavras ligadas ao arrependimento como momento, perderam, anos, morrer, viver e (não) soube.
Elementos neoclássicos:
• A forma (soneto)
• A presença de vocabulário alatinado (insana, mísero, falaz)
• O recurso a perífrases
• Elementos românticos:
• O tom confessional do poema
• O tema do arrependimento
• A alusão à morte
• O tom declamatório
• A pontuação expressiva associada à função emotiva
Alguns recursos estilísticos:
-Metáfora (vv 1/3, 5/7, 9/12);
-Personificação (v 9); adjetivação (insana, cego, mísero, imortal, humana, inúmeros, ufana, falaz, escrava, sedenta); perífrase (v 12); anástrofe (vv 1, 4, 5/6, 8, 10/11, 12); apóstrofe (vv 9, 12);
-Notar a existência de quatro versos sáficos (com acento rítmico nas 4ª, 8ª e 10ª sílabas métricas): 7, 8, 13, 14 (os dois últimos já referidos atrás).
Liberdade, onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nós não Caia?
Porque (triste de mim!) porque não raia
Já na esfera de Lísia a tua aurora?
Da santa redenção é vinda a hora
A esta parte do mundo que desmaia.
Oh! Venha... Oh! Venha, e trémulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!
Eia! Acode ao mortal, que, frio e mudo,
Oculta o pátrio amor, torce a vontade,
E em fingir, por temor, empenha estudo.
Movam nossos grilhões tua piedade;
Nosso númen tu és, e glória, e tudo,
Mãe do gênio e prazer, oh Liberdade!
Estrutura interna:
Três momentos distintos:
• Em um primeiro momento (vv 1/6), sentindo que é chegada à hora da redenção, o sujeito poético, apostrofando a Liberdade, numa seqüência de perguntas de retórica, questiona-a sobre onde se encontra quem a impede e porque não raia já em Portugal;
• Em um segundo momento (vv 7/12), o poeta, numa linguagem quase patética, implora à Liberdade o seu auxílio, o seu socorro;
• Finalmente, no 2º terceto (vv 13/14), o sujeito poético faz uma espécie de profissão de fé em relação ao caráter divino da Liberdade, proclamando-a «Mãe do gênio e prazer».
• Elementos neoclássicos:
• Forma (soneto)
• Vocabulário (Lísia, grilhões, númen)
• Uso da perífrase «esfera de Lísia» por Portugal
• Elementos românticos:
• A aspiração pela Liberdade
• Uma certa linguagem teatral (tom declamatório com presença de algumas interjeições e de uma pontuação subjetiva com abundância de exclamações e perguntas de retórica, além das reticências)
Alguns recursos estilísticos:
- Personificação da Liberdade (ao longo do poema) e do Despotismo (vv 7/8); apóstrofe (v 1, 9); pergunta de retórica (vv 1/4); anástrofe (vv 2, 4, 5, 11, 13); adjetivação (triste, santa, tremulo, feroz, frio, mudo, pátrio); reiteração em relação ao porquê, à causa (v 3); perífrase (v 4 (esfera de Lísia por Portugal)); metáfora (vv 3, 4, 6, 8, 10).
Very nice , good nigth
ResponderExcluirGostaria de saber sobre o último soneto, o verso: "Oculta o pátrio amor, torce a vontade." o que seria?
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