Literatura: O Simbolismo




Pelo fim do decênio de 1880, mas sobretudo no seguinte, repercutiram no Brasil as primeiras influências do movimento simbolista francês. O seu começo oficialmente aceito é a publicação dos dois livros de Cruz e Sousa em 1893: Missal, poemas em prosa, Broquéis, versos.
O parnasianismo tem afinidades com o realismo e o naturalismo, além de manter ligações com a tradição clássica. Para ele, o mundo e o sentimento são realidades que podem ser descritas e definidas de maneira bastante precisa, podendo, em conseqüência, serem apreendidas satisfatoriamente pelo espírito. Isto quer dizer que é possível ao artista permanecer teoricamente fora da coisa ou sentimento observado, recriando-os por meio de um tratamento objetivo. Resulta uma obra de arte que seria uma espécie de objeto válido por si mesmo, encontrando em si mesmo a sua justificativa. Daí o vezo de comparar o poeta ao artífice, a palavra à matéria-prima, o poema a um artefato precioso.
Embora acentue sob alguns aspectos o requinte da arte pela arte, o simbolismo se opõe tanto ao realismo quanto ao parnasianismo, situando-se muito próximo das orientações românticas, de que é em parte uma revivescência. Não aceitando a separação entre sujeito e objeto, entre artista e assunto, para ele objetivo e subjetivo se fundem, pois o mundo e a alma têm afinidades misteriosas, e as coisas mais díspares podem revelar um parentesco inesperado. O espírito, portanto, não apreende totalmente nem traça um contorno firme dos objetos, dos seres, das idéias. Cabe-lhe apenas o recurso de aproximar-se da sua realidade oculta por meio de tentativas, que a sugerem sem esgotá-la. A obra resultante não é um objeto válido em si, acabado de uma vez por todas, ou fechado na sua integridade. Vale pela sugestão que trouxer, pois é uma possibilidade entre outras, um fragmento do esforço de captação poética. Por isso parece aberta, não raro incompleta, obscura, fugidia, mais voltada para a música do que para as artes plásticas, tão caras aos parnasianos em busca de solidez e relevo.
Esta caracterização abrange certos aspectos centrais, mas de modo algum esgota a riqueza de um movimento mais rico e variado do que outro qualquer na literatura moderna. Se olharmos de perto, veremos como os poetas chamados simbolistas, na França, em Portugal, no Brasil, são diferentes uns dos outros; e como muitos deles estão próximos dos parnasianos. Dois grandes mestres do simbolismo, Verlaine e Marllamé, foram colaboradores do Parnasse Contemporain, onde o primeiro publicou um poema-manifesto dos mais intransigentes, enquanto o segundo sempre manteve, através de toda a sua obra e do mistério das suas elipses, um rigor algo hirto de fatura, um amor pela palavra-objeto, que denota a impregnação parnasiana.
Entre nós, Cruz e Sousa sempre a manifestou, na forma e na concepção, cabendo a Alphonsus de Guimaraens insistir nas tonalidades esbatidas, nas musicalidades vagas, com uma singeleza, ou pelo menos uma discrição, que contrastam com os torneios altissonantes do outro e correspondem melhor ao que chamamos de simbolismo. Mas em ambos ocorre o mesmo esforço de transcendência poética, que parece prolongar o verso em antenas voltadas para um mundo essencial, além da história, do quotidiano, da própria vida.
Estes dois mestres (e sobretudo o primeiro) influíram nos mais jovens, ao lado de vários estrangeiros, entre os quais os simbolistas belgas, que se caracterizam pelos tons menores, a melancolia, a vagueza esfumada e o mistério das evocações (Maeterlinck, Rodenbach). Influíram também os simbolistas franceses propriamente ditos, numa gama variada que vai da liberdade formal de um Viélé-Griffin, da amargura aparentemente prosaica de um Laforgue, ao opulento bazar de Henri de Régnier. Influência significativa foi a de um poeta de compromisso, Albert Samain, cuja obra meio parnasiana e bastante convencional teve aqui muita voga, correspondendo a uma das modalidades principais do simbolismo no Brasil. Foi também acentuada a influência dos portugueses: o Guerra Junqueiro sentimental e fluido d´Os Simples; Eugênio de Castro, requintado e amaneirado, na sua capacidade de solenizar e dar um ar remoto a versos no fundo banais; Antonio Nobre, melancólico, deliqüescente e quotidiano.
Os simbolistas conservaram vários hábitos de versificação dos parnasianos. Mas de acordo com o seu desejo de mistério e fluidez, buscaram ritmos mais musicais e insinuantes, tornando-os eficazes por meio de certos recursos expressivos, como a atenuação e deslocamento das tônicas, o uso do dístico, a repetição sistemática de palavras e frases, que dão ao poema uma força por vezes sonambúlica de envolvimento. Muito peculiar é o seu vocabulário, adaptado aos temas prediletos da morte, do distanciamento, das cerimônias litúrgicas, das paisagens vagas cheias de cisnes, lagos e luares, envoltas em neblinas e em ressonâncias. Em muitos dentre os menores (que são maioria absoluta), há uma procura de opulência fria, ou de uma elegância vagamente “nefelibata”, como se dizia para qualificar os aspectos estranhos ou mesmo extravagantes desta corrente. Peculiar é o uso do vocabulário litúrgico, nem sempre correspondendo a convicções religiosas do autor, mas próprio para acentuar o mistério e o hieratismo. Por isso, tem-se apontado a ligação entre o nosso simbolismo e o espiritualismo, o que é verdade apenas em parte, e que, em muitos casos, se combina ao gosto pelo esotérico, de acordo com certas tendências antimaterialistas e portanto antinaturalistas do fim do século XIX.
A isto se liga, sob certos aspectos, o próprio nome do movimento, que sugere algumas vezes o uso quase iniciático da palavra “símbolo”, concorrendo para dar maior imprecisão a um rótulo já por si inconveniente. Com efeito, toda poesia é de algum modo simbólica, e o simbolismo é um dos cernes da linguagem poética, ocultadora e alusiva por excelência. No caso, o que se pode dizer de mais preciso é que os poetas se chamaram, ou foram chamados simbolistas, porque, em lugar de descrever com precisão, alegavam que cada coisa exprime mais ou menos claramente uma realidade oculta de que seria a mera exteriorização simbólica. No Brasil, o simbolismo não é mais simbólico do que a média das outras correntes, destacando-se delas pelas peculiaridades de recursos expressivos, como os indicados acima.
Aliás, ele foi aqui bastante medíocre, ressalvados os dois grandes iniciadores. Além disso, o seu efeito foi limitado ela aliança tácita entre o parnasianismo e o espírito acadêmico, semi-oficial. Isso fez com que permanecesse uma espécie de tendência excêntrica, ou de segunda plana. No entanto, a sua influência indireta foi grande, e os seus pontos de vista penetraram na obra de poetas consagrados e na de prosadores, como Coelho Neto. Rico de experiências e variações, manifestou-se em cenáculos, revistas, livros curiosos, dando lugar a tendências subsidiárias, que extravasaram os seus limites e influíram na formação de um clima pré-modernista.
Hoje, conhecemos o essencial do grande acervo que deixou, graças ao trabalho admirável de Andrade Muricy, cujo Panorama do simbolismo brasileiro é das obras mais importantes da nossa investigação crítica. Dentre os simbolistas menores, são de interesse: no Paraná (terra de eleição do movimento), Emiliano Perneta (1866-1921) e o original Dario Veloso (1869-1937), que organizou uma espécie de culto pitagórico; no Rio Grande do Sul, Eduardo Guimaraens (1892-1928); na Bahia, Pedro Kilkerry (1885-1917).
Fim de período
Os escritores que aparecem entre os primeiros anos do século e o modernismo são, quase todos, epígonos. Os Sertões de Euclides da Cunha, última estréia realmente criadora do período, marca em 1902 uma espécie de divisor. Livro baseado numa interpretação rigidamente naturalista dos fatos sociais e da psicologia individual, é o coroamento do movimento “cientificista” da segunda metade do século XIX. Ao mesmo tempo, fere a visão algo conformista do academismo reinante, reavivando o impulso polêmico daquele movimento e prenunciando o grande esforço de veracidade que os modernistas efetuarão.
Nessa fase transitória, quase tudo é amenidade e convencionalismo, excetuados, augusto dos Anjos, retardatário do “cientificismo”, e a verve satírica de Lima Barreto, cujo Isaías Caminha é de 1909. A literatura se ameniza no regionalismo de salão, no ceticismo, na frivolidade, no sentimentalismo ou num intelectualismo árido, podendo-se citar como característico o nome de um polígrafo talentoso, Afrânio Peixoto (1876-1947), que encarnou com elegância essa mentalidade epidérmica.
Os romancistas e contistas, muito numerosos, mantêm uma razoável média, que nada traz de criador. E mesmo uma estréia aparentemente renovadora, como a de Monteiro Lobato em 1918, com os contos de Urupês, vista de hoje parece uma retomada vigorosa, mas antiquada, de soluções literárias em declínio.
O que a poesia teve de mais característico nos que surgiram depois de 1900 foi a mescla de parnasianismo dominante com as sugestões do simbolismo, que deste modo cumpre uma interessante tarefa de infiltração, propiciando renovações mais fecundas.
Se alguns, como Goulart de Andrade (1881-1936), acentuam a rigidez parnasiana, outros, como Amadeu Amaral (1875-1929) ou Martins Fontes (1884-1937), se deixam levar por uma fantasia mais livre, enquanto Hermes Fontes (1888-1930), mas sobretudo Raul de Leoni (1893-1926), combinam parnasianismo e simbolismo, como fez também Augusto dos Anjos. Neste momento foi grande o numero dos que preferiram a segunda corrente, evoluindo para uma espécie de pré-modernismo, como Mário Pederneiras (1867-1915) e o grupo que ao seu lado se articulou na revista Fon-Fon. Nos anos que vão de 1910 a 1922 as diversas tendências se combinam com facilidade e não raro felicidade, gerando uma poesia débil e refinada, tecida de sentimentos atenuados, luzes esbatidas, cores frias, plantas melancólicas, horas crepusculares, paisagens civilizadas. É o que se observa nalguns jovens que passarão ao modernismo, como Manuel Bndeira, Guilherme de Almeida, Ribeiro Couto (1898-1963), e outros que permanecerão nessa fímbria liminar, como Onestado de Penafort (n. 1902) ou Olegário Mariano (1889-1958), eleito Príncipe dos Poetas depois da morte de Alberto de Oliveira, em 1937.
Num lugar separado, absolutamente à margem de modas e movimentos, ficou o interessante poeta neoquinhentista José Albano (1882-1923), artífice perfeito, voltado para a herança camoniana.
Muito representativos desse momento foram certos cronistas, como o arguto João do Rio, pseudônimo de Paulo Barreto (1881-1921), observador dos costumes e comentador entre frívolo e irônico da sociedade do tempo. Noutro pólo se encontra Antonio Torres (1885-1934), virulento demolidor de reputações, crítico vivaz das blandícias acadêmicas.

Bibliografia

CANDIDO, A. et CASTELLO, J.A. Presença da Literatura Brasilira. Das origens ao realismo. História e Antologia. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, 2 vol.
p. 294-298

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