Psicologia na Literatura em Dom Casmurro. Traição ou obsessão: A dúvida que paira no final do romance

Trabalho realizado pela professora e neuropsicopedagoga: Fabiane Mathias Ferreira Senday

 

1. Resumo



Este trabalho tem como objetivo fazer uma análise de um romance referencial da Literatura Brasileira, Dom Casmurro, de Machado de Assis.

O foco principal dessa análise é o suposto adultério de Dona Capitulina (Capitu), esposa de Bentinho, com seu melhor amigo – Escobar.

Assim, o intuito dessa análise é mostrar, entre outros aspectos do comportamentalismo, a obsessão descontrolada, a personalidade fraca, a insegurança, o complexo de inferioridade de Bentinho, o comportamento de esquiva, entre outros. Tais eventos provocaram em sua mente um surto, e ele começa a imaginar, e acreditar, em tal traição.


Palavras Chaves: Traição, obsessão, imaginação, ciúmes, dissimulação, timidez e inveja.


Abstract


The present work makes an analysis of a novel benchmark of Brazilian Literature, Dom Casmurro, by Machado de Assis.

The main focus on this analysis is the supposed Dona Capitulina’s adultery, Bentinho’s wife, with his best friend – Escobar.

The purpose during the analysis is to show, among other behavior’s characteristics, the uncontrolled obsession, the weak personality, the insecurity, the inferiority feelings that Bentinho has. These subjects have caused an outbreak in his mind, he has started wondering, so he believed in a betray.


Key-words: Betrayal, obsession, imagination, jealous, concealing, shyness and jealousy.



2. Introdução


Após uma análise sobre o romance Dom Casmurro[1], de Machado de Assis, surgiu à idéia de desenvolver algo sobre a “suposta traição” de Capitu, e o lado comportamental de Bentinho, o narrador-personagem. Por haver no romance uma atmosfera imaginária ao se tratar de seus conflitos de identidade, de suas relações sociais e, contudo, à obsessão desenfreada de Bento, juntamente com a inveja, ciúmes e obsessão que ele nutria.

Tal dúvida sobre o suposto adultério surgiu mediante as aulas de Literatura Brasileira; onde estudamos, no Realismo, esta maravilhosa obra machadiana.

Notamos, ao analisarmos o romance, o comportamento absurdo de Bentinho em relação à sua esposa. E, em cima disso, trabalharemos nossa análise – tanto literária, como também, comportamental.

Outro fato importante é que Machado de Assis, em Dom Casmurro, discute o modo de narrar, pondo em prática a metalinguagem[2], em que a própria narrativa trata de auto se explicar. Logo no início, ela ganha corpo, quando o personagem-narrador explica o título do livro e os motivos que o impulsionaram a escrevê-lo.

Durante toda a narrativa do romance, a metalinguagem tem um papel fundamental, dando um tom, muitas vezes jocoso, ou criando cumplicidade com o leitor, que ao invés de apenas ler passivamente, participa do próprio ato de narrar, ao servir de confidente do escritor, transcendendo o próprio texto.

Percebemos que a ação do livro acontece em duas fases muito importantes. A primeira parte, que vai da adolescência de Bentinho, com a decisão de seus familiares que, por uma promessa feita por sua mãe, D. Glória, ele deveria tornar-se padre. O convívio com Capitu e a luta para se unir a ela, contrariando a vontade da mãe. A segunda parte, que trata de sua separação com Capitu, por causa da desconfiança sobre a paternidade do filho, além do suposto adultério, até o seu fim solitário, como homem frio que esqueceu sua luta para conquistar Capitu.

No desenvolvimento do romance, o narrador-personagem diz que tentou “atar as duas pontas da vida”, a juventude e a velhice, ou seja, nascimento e morte. Essa tentativa fica evidente em algumas de suas atitudes em que relembra sua história enquanto jovem, e tentar reviver as lembranças após a parada para analisar sua vida e perceber que talvez estivesse errado, embora não afirme tal hipótese.

O relacionamento paradoxal com Escobar, que sendo amigo era também um fantasma na vida conjugal, pois Bentinho acreditava que ele era o amante de Capitu. O sentimento antagônico em relação ao filho Ezequiel, por sua suposta semelhança com Escobar. E, por fim, a construção de uma casa idêntica à antiga casa da Rua de Matacavalos onde viveu quando criança. Tais fatos encadearam a curiosidade que nos levou a estudar esse romance. Se havia amor verdadeiro de Bentinho por Capitu, e por que ele se transformou num homem tão amargo.

Afinal, ele não baniu a mulher e o filho, matando-os pelo desprezo? Dois testemunhos acionaram-nos ao mecanismo das dúvidas. Um jogo de inteligência em que é preciso estar-se atento ao mais simples mover de uma pedra. Uma encenação que não dispensa a esperteza do leitor.

Compreendida a maneira como Machado exerce a sua arte narrativa, foi-nos fácil duvidar ainda mais dos “mitos” criados em torno de Dom Casmurro, incluindo a da dissimulação. Entende-se, então, que Bentinho é um narrador em primeira pessoa que dissimula, sendo assim, um narrador perverso. Ele induz o leitor a acreditar no que ele narra é a verdade absoluta. Tendo ele um ciúme tão poderoso, por sua esposa, além de usar de grande persuasão para induzir o leitor a acreditar nem sua narrativa.

Finalmente, o enigma encontrado em Dom Casmurro é o fato de que ele era invejoso, obcecado, ciumento, dissimulado, tímido que imaginava coisas.

Quanto à suposta traição, os fatos deixam dúvidas, pois Bentinho cita que há semelhanças de Ezequiel com Escobar. Além, também, do fato de Escobar ser muito amigo do casal e sempre rondar a família, levam o leitor a pensar que realmente houve a traição. Mas, por outro lado, a amizade de Capitu por Escobar não seria amor carnal, mas um amor fraternal, pois o seu amor era por Bentinho e desde a infância a sua luta foi por ele?

Além do fato dele não ter visto com seus próprios olhos a traição, leva o leitor a acreditar na infidelidade da esposa e do amigo. Podemos dizer que, talvez, Bentinho fosse ciumento e imaginasse os fatos, já que ele é quem narra à história, sendo conforme sua visão.

Em suma, o enigma em Dom Casmurro é Bentinho, não Capitu, e as linhas tortuosas de suas memórias e de seu caráter compõem uma charada de difícil decifração. Mas há várias pistas, por exemplo: a lucidez de Capitu e o obscurantismo de Bentinho; sendo ele um menino minado, “filho-de-mamãe”, inseguro, egoísta e possessivo.

É notado, com isso, que Machado nos mostra – sob a agitação sentimental do primeiro plano, a presença de interesses sociais relacionados à organização e à crise da ordem patriarcal – um universo bolorento e recalcado onde vivia Dona Glória, com seus viúvos, agregado e escravos, onde a energia e a liberdade de opinião da mocinha moderna e pobre, atrevida e irreverente, lúcida e atuante, tornam-se intoleráveis. Além dos ciúmes do menino rico, de família decadente, do bacharel típico do Segundo Reinado, que condensam uma problemática social ampla, por trás daquele que difama e destrói a amada.



3. Biografia do Autor


Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Morro do Livramento, no Rio de Janeiro, a 21 de junho 1839, filho de um pintor mulato, Francisco de Assis, e uma lavadeira portuguesa, Maria Leopoldina Machado de Assis.

Nos primeiros anos, com certeza, o menino freqüentou a Chácara do Livramento, sob a proteção da madrinha, senhora muito rica, dona da propriedade.

Aos seis anos, presenciou a morte da única irmã. Quatro anos depois, morre-lhe a mãe. Seu pai casa-se, novamente, em 1854, com Maria Inês.

Órfão de ambos muito cedo, foi criado pela madrasta. Já na infância apareceram sintomas de sua frágil compleição nervosa, a epilepsia e a gaguez, que o acometiam a espaços durante toda a vida e lhe deram um efeito de ser reservado e tímido. Aprendeu as primeiras letras numa escola pública.

Aos quatorze anos, encontramos Machado ajudando a madrasta a vender doces para o sustento da casa. Sabemos que numa sociedade marcada por divisões sociais muito rígidas – como já era o Brasil na época de Machado – o indivíduo já nasce com seu destino social mais ou menos determinado pela origem, pela raça, e até pela possibilidade ou não de freqüentar escolas. Machado, como menino de subúrbio, pobre e mulato, tinha todas as chances do mundo de não vencer, mas com ele foi diferente.

A vida intelectual dos meninos do subúrbio era muito diferente aos da Corte. As coisas mais elegantes do Rio de Janeiro aconteciam na Rua do Ouvidor, onde as pessoas das classes superiores se encontravam, se divertiam, exibiam suas roupas importadas da Europa. E, era nesta rua que Machado passava grande parte do seu tempo, claro, trabalhando. Fora caixeiro de livraria, tipógrafo, e outras mais.

Após os estudos elementares, dedica-se a vários empregos a fim de auxiliar no sustento da família. Não era fácil, pois havia ainda o preconceito racial, sendo ele mulato. Conhece Paula Brito e estréia um soneto, publicado no Periódico dos Pobres, de 3 de outubro de 1854.

No dia 6 de janeiro de 1855 a Marmota Fluminense – jornal de notícias, variedades e curiosidades e literatura – publicou o poema de Machado de Assis, “A palmeira”. Logo Machado se tornou um membro da redação deste jornal. Fez amizade com um padre, Silveira Sarmento, de quem recebeu aulas de francês e de latim; mas foi como autodidata que construiu sua vasta cultura literária que incluía autores menos lidos no tempo como Swift, Sterne e Leopardi.

Com dezessete anos, ingressa como aprendiz de tipógrafo na Imprensa Nacional, onde ganha a amizade de Manuel Antônio de Almeida, um romancista já famoso na época. Em 1858, trava contacto com expoentes literários do tempo, e deles recebe estímulo para continuar a escrever. Passado um ano, entra no Correio Mercantil, como revisor e colaborador.

Publicou seu primeiro livro, poesias, em 1864: Crisálidas. Em 1867, foi nomeado para o cargo de ajudante do diretor do Diário Oficial.

Em 12 de novembro de 1869, casa-se com Carolina Xavier de Morais, de nacionalidade portuguesa e mais velha que ele. Viveram juntos 35 anos, em perfeita harmonia.

No ano seguinte ao casamento publicou o primeiro volume de Contos Fluminenses. Nesse meio tempo escreveu os romances que fazem parte da primeira fase machadiana – a fase romântica.

Quatro anos mais tarde é nomeado primeiro oficial da Secretaria de Estado do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Publicou, também, outro volume de contos: Histórias da meia-noite.

Em 1878 e 1879, Machado de Assim passou uma temporada em Friburgo, por motivo de doença. Em 1881, foi nomeado Oficial de Gabinete de Pedro Luís, ministro da Agricultura.

Em 1882, lançou o terceiro volume de contos: Papéis Avulsos. Dois anos depois publicou: Histórias sem data.

Em 1888, foi nomeado Oficial da Ordem da Rosa, por decreto do Imperador. No ano seguinte, o de Diretor da Diretoria do Comércio. Em 1892, foi Diretor-geral da Viação.

Em 15 de dezembro de 1896 funda, com outros escritores, a Academia Brasileira de Letras, e torna-se seu primeiro presidente, animou a excelente Revista Brasileira, promoveu os poetas parnasianos e estreitou relações com os melhores intelectuais de seu tempo, de Veríssimo a Nabuco, de Taunay a Graça Aranha. Não obstante essa ativa sociedade no mundo literário, ficava proverbial a fria compostura pessoal e o absenteísmo político que manteve nos derradeiros: atitude paralela à análise corrosiva a que vinha submetido o homem, mais “diplomático”.

Em 1899, publica Páginas recolhidas, e assim sucessivamente.

Alcança a estabilidade econômica, entrega-se à criação de sua obra, numa sucessão apenas interrompida pela morte. Enquanto isso foi ascendendo na burocracia chegando ao fim da vida a diretor-geral da Contabilidade do Ministério (1902).

Em 1904, foi aceito como Membro correspondente da Academia das Ciências, de Lisboa. No mesmo ano, coroado de glória e admiração, experimenta a mágoa de perder Carolina a dois de outubro, e principia a morrer.

Apesar da serenidade que o escritor aparentava, o prazer de viver tinha mesmo acabado com a ausência de Carolina. Acometido de doenças: vista fraca, infecção intestinal e uma úlcera na língua.

No dia 1 de agosto vai à Academia Brasileira de Letras pela última vez. Lúcido, recusando a presença de um padre, manteve a coerência de quem nunca tinha sido religioso.

Em junho de 1908, tirou licença para tratamento de saúde. Mas, falece vitimado por uma úlcera cancerosa, aos 69 de idade, às 3horas e 20 minutos da madrugada do dia 29 de setembro de 1908.

Declara-se luto oficial em todo o Rio de Janeiro. Seu enterro, com enorme acompanhamento de figuras conhecidas e do povo, atesta a fama que Machado havia alcançado. Foi sepultado ao lado de Carolina.

Assim, cercado de amigos fiéis, fora sepultado. Na Academia, coube a Rui Barbosa fazer-lhe o elogio fúnebre.

Os biógrafos de Machado de Assis tendem a exagerar seus sofrimentos, enfatizando as causas eventuais de seu tormento físico, psicológico e social: a cor escura, a origem humilde, a orfandade na primeira infância, a compleição, a doença nervosa, a carreira difícil nos primeiros anos, a esterilidade, as humilhações, o complexo de rejeição etc. Tudo isso serviu de “projeções” psicológicas na obra do autor, fruto do psicologismo que invadiu a crítica literária dos anos 30 e 40, ou da tendência romântica de se atribuir aos grandes escritores uma quota pesada e ostensiva de sofrimento e de drama, pois a vida normal parece incompatível com o gênio artístico. Não podemos afirmar com clareza se realmente tudo isso é verdade, ou se há um pouco de exagero, mas a única coisa que podemos afirmar é que Machado é um dos maiores escritores Brasileiros.

Historicamente, podemos dizer que, Talvez, os seus sofrimentos podem não ter parecido ter excedido aos de toda gente, nem sua vida ter sido tão árdua. Sabemos que no Império liberal, muitos homens de cor negra foram guinados ao Ministério, ou receberam títulos de nobreza, ou conheceram notável ascensão social.

Resumindo, Machado ascendeu com facilidade na vida pública: tipógrafo, repórter, funcionário modesto, alto funcionário, casou-se com uma senhora branca, culta, amiga discreta, afetuosa, íntima de gente ilustre e bem-nascida. Aos cinqüenta anos, considerado o maior escritor do país, objeto de uma reverência e admiração que nenhum escritor brasileiro conheceu em vida, antes e depois dele. Quando se cogitou na fundação da Academia Brasileira de Letras (1897), Machado foi escolhido seu mentor e presidente, porto que exerceu até morrer. Presidente perpétuo da Casa de Machado de Assis e seu único imortal, esta, converteu-se numa espécie de patriarca das Letras.



         3.1. Obras


As obras machadianas são: Ressurreição (1872), A Mão e a Luva (1874), Helena (1876), Iaiá Garcia (1878), Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904), Memorial de Aires (1908); o conto: Contos Fluminenses (1970), Histórias da Meia-Noite (1873), Papéis Avulsos (1882), Várias História (1896), Páginas Recolhidas (1899), Relíquias de Casa Velha (1906), etc.; o teatro: Queda que as Mulheres têm pelos Tolos (1861), Desencantos (1861), Teatro (1863), Os Deus de Casaca (1866), Tu, só Tu, Puro Amor (1881); a crônica: A Semana (1914), etc.; a crítica: Crítica (1910).



          3.2. As duas Fases Machadianas


Tornou-se convencional a divisão da obra machadiana em duas fases. Tais fases têm sido apontadas, convencionalmente, na carreira de Machado de Assis, a romântica, que enfeixa os romances desde Ressurreição até Iaiá Garcia, portanto a criação literária entre 1870 e 1880; e a realista, após as Memórias Póstumas e Brás Cubas.

Divisão esclarecedora, e de certo modo valorativa, dado que a segunda fase engloba as obras mais acabadas do engenho de Machado de Assis, não espelha, porém, toda a verdade. A rigor, se há predominância da pigmentação romântica nos livros iniciais, lá também se observam traços de heterodoxia, a revelar um temperamento que aderiu com reservas à estética romântica, e nele instilou a marca de inconfundível talento. Por outro lado, as duas fases ligam por osmose, e não só por aspectos da primeira transitam para a segunda, como naquela já se divisam pormenores caracterizados desta. Os momentos da trajetória do escritor seriam assinalados por uma unidade ou continuidade, nada surpreendente se lembrarmos que a obra de qualquer escritor, por mais variação que apresenta, é sempre dominada pelas mesmas forças-motrizes. As fases machadianas refletiram, à luz dessa observação, as modulações ascendentes da mesma cosmovisão: na primeira, o escritor ensaia os passos iniciais, ainda vacilantes a cerca do ruma a perseguir, mas intui, por entre a bruma da incerteza, o alvo a atingir; e na fase seguinte, vencidos os tateios, amadurece a visão do homem e do mundo. Sucede, pois, que uma análise global da obra de Machado de Assis mostra, à sociedade, que sua concepção da realidade já se desenha, ainda que embrionariamente, na primeira fase. Em suma, as latências das obras da juventude se cumprem na maturidade.



          3.3. O romance: Dom Casmurro


Dom Casmurro assinala o momento em que o escritor e o romancista se consorciam equilibradamente, graças à harmonia entre o estilo e a imaginação. Se antes deste romance o escritor tendia a prevalecer, e se, depois dela, o memorialista entraria a preencher o vácuo da fantasia criadora, – em Dom Casmurro se observa a íntima fusão das duas vertentes machadianas. De onde ser a obra-prima de romances, e das mais altas expressões da ficção brasileira de todos os tempos.

É que, abandonando o recurso fácil de inserir na fábula romanesca o plano transcendental ou absurdo, como fizera antes, Machado invade o recesso das consciências e das situações em busca dos móbeis profundos para os atos cotidianos. Aproxima-se da realidade, pratica o realismo que, sem deixar de ser interior, afasta o delírio e a loucura e imerge nos enigmas que o dia-a-dia mais banal esconde: que mais enigmático que o mundo? Conseqüentemente, as personagens despem-se do ar de metáforas, humanizam-se, criando, para o ficcionista, novos problemas, resolvidos com a firmeza de mestre.

Ao contrário de apelar para o indecifrável, a narrativa flui com toda a explicação, como se fosse o mais linear dos romances, assim revelando, por trás do cotidiano “acinzentado”, pungentes dramas e tragédias. É o mundo subterrâneo de cada indivíduo, onde moram as grandezas e misérias da condição humana, que Machado desvenda. E desvenda-o sem alçapões narrativos ou aforismo à margem dos gestos e atitudes.

De onde, apesar do niilismo predominante, o halo de humanidade que circula em Dom Casmurro: as personagens – não mais figura de exceção como antes – despontam do cotidiano, exemplares na sua aparente indiferenciação. E a história exibe uma naturalidade cronistica que somente não se converte em trivialidade porque o ficcionista soube emprestar-lhe a verossimilhança das grandes tragédias.

Como sabemos o patológico era o prato principal dos realistas e naturalistas, nomeadamente na forma de adultério e falta de vocação sacerdotal, os dois pólos de Dom Casmurro. Entretanto, Machado se distingue por não reduzir mecanicamente o adultério a causas de herança, meio e momento. De onde o adultério de Capitu e Escobar não provir de patogenias circunstancias, senão de uma espécie de fato, evidente no fato de a heroína o praticar acionado por outros vetores que não o vício ou o capricho. Capitu, com seus olhos de “cigana oblíqua e dissimulada” decerto ocultam coisas, com seu comportamento frio e calculista, como se uma voz interior a comandasse, chega a fazer duvidar que tenha havido adultério. A perplexidade que acomete o leitor é acentuada pela estranha conduta de Bentinho, o marido traído, que responde com o aceno da vingança ao cálculo da esposa, tudo numa atmosfera de alucinação ou loucura em marcha. Ou de anátema trágico, em que o mais além se mostra por entre as aparências neutras. E assim o mistério explode, não só o do crime de infidelidade, como o que envolve toda a narrativa: linear enquanto a percorremos, levanta problemas, que ainda desafiam a crítica, depois de volvida a última página.

O delito de Capitu não foi o arremate dum caso de namoro infantil, mas o símbolo de algo mais trágico, expresso na incomunicabilidade e na traição. Derruba o véu que cobre o ato adulterino, vê-se não apenas uma personagem –Bentinho –a ruminar para todo o sempre sua tragédia burguesa, senão o próprio ser humano em face da miséria existencial. Com o adultério, regride o homem à condição de troglodita, incapaz de sujeitar-se às normas culturais que inventou para conter o apelo à bruta animalidade, recalcada no subconsciente à custa de milênios de progresso científico, filosófico e artístico. Eis a tese machadiana em Dom Casmurro, substancialmente diversa da tendência naturalista para explicar o adultério como simples desordem dos sentidos.

Machado observa que nem mesmo a infância e a adolescência fogem ao destino absurdo: ao esmiuçar as duas fases estáticas, com minúcias de ourives, a ponto de ocupar a maior parte da narrativa, o ficcionista descortina o mesmo quadro de miséria. A inocência não é deste mundo, parece dizer Machado, porquanto nem a infância nem a adolescência residem à atração pelo abismo.

Figura de tragédia, Capitu é o símbolo da dissimulação: criminosa e vítima ao mesmo tempo, atada a qualidade que a perderam, é mais um anátema que benção a sagacidade com que manobra o seu pequeno mundo doméstico. Incapaz de amar, mesmo a Escobar, de quem teve o filho que Bentinho não lhe podia oferecer, a síndrome da maternidade apenas disfarça o trágico destino de sibila, a cumprir ordens míticas. Morre Escobar, Capitu é mandada para a Suíça, onde também morre. Capitu aceita à punição sem reclamar, confundindo o leitor: será que tudo não passou da mente doentia e ciumenta de Bentinho?



4. Características Históricas na época do Realismo


          4.1. O que estava acontecendo na Europa


Antes de falarmos do realismo, voltemos um pouco ainda no romantismo. Como sabemos, o romantismo encontrava na cultura francesa condições favoráveis de enraizamento e propagação, mas suas breves conquistas não alçaram de todo vencer os remanescentes clássicos, nem mesmo os movimentos de idéias gerados mediante a Revolução Francesa.

O romantismo extremou-se no culto do sentimento e da Natureza: isso se dá por volta de 1820.

O Realismo surgiu em meados do século XIX, primeiramente com a pintura, na França. Foi em mãos de Vitor Hugo, Gaultier, Musset, assim como na escrita também. Gustave Coubert, entre 1850 e 1851, expôs no salão: O Enterro em Ornans, e em 1853, As Banhistas, que causaram estranhamento e recusa, por serem telas escandalosas. Revoltado, abre sua própria exposição. Posteriormente, numa conferência em Arvers (1861), o pintor acrescentaria: “o núcleo do Realismo é a negação do ideal. O Enterro em Ornans foi o enterro do Romantismo”.

Em 1848, Henri Murger publicou em folhetins as Cenas da Vida Boêmia, onde focalizou os costumes da burguesia.

O Realismo veio com força, na França, em 1857 com o romance: Madame Bovary, de Flaubert, e As Flores do Mal, de Baudelaine, com crítica à hipocrisia burguesa.

Dez anos depois, Zola introduzia o romance naturalista com Thérèse Raquin.

A revolução, fevereiro de 1848, na França, surgiu Karl Marx com O Manifesto Comunista, a uma longa obra de análise da Burguesia e do Capitalismo, de impacto ainda vivo. Renan escreve O Futuro da Ciência (inédito até 1890).

Surge Taine, onde se tornou “o verdadeiro filósofo do Realismo, seu teórico; foi ele que deu a fórmula do positivismo em matéria literária”.

Darwin (1859), com A Origem das Espécies, propondo a seleção natural como fator decisivo na evolução das espécies. A Introdução ao Estudo da Medicina Experimental (1865), de Claude Bernard, defendendo o método experimental em Fisiologia, que serviria de base às teorias de Zola. As idéias do alemão Schopenhauer, fundadas num pessimismo extremo: O Mundo como Vontade e Representação, 1818; Da Vontade na Natureza, 1836.

O Realismo vem acionado pelos ventos do positivismo, juntamente com a Revolução Industrial, mudando, completamente, o estilo de vida e de cultura. Ao invés do subjetivismo, propunham a objetividade, amparada na idéia positiva do real; em lugar da imaginação, a realidade contingente. Enquanto, no romantismo, o “eu” era o centro, os realistas já defendiam o “não-eu”, a realidade física e o mundo concreto.

Assim com pedia o cientificismo da época, os racionalistas procuravam a verdade impessoal e universal, não a individual, como julgavam os românticos.

Buscam, enfim, comportar-se perante a arte como autênticos cientistas.

No plano político, defendiam idéias republicanas e, não raro, socialistas; repudiavam a Monarquia, o Clero e a Burguesia.

Assim, com Taine, o homem deixava o “eu” ser o centro do Universo, como pedia o Romantismo, para se transformar numa engrenagem do mecanismo cósmico e natural.



           4.2. O que estava acontecendo no Brasil


          Antes de falarmos no próprio estilo literário realista, voltemos atrás no ano de 1860, final de romantismo. Os anos de 60 tinham sido fecundos como preparação de uma ruptura com o regime escravocrata e as instituições políticas que o sustentavam. E o sumo dessas críticas já se encontra nas páginas de um espírito realista e democrático.

Machado de Assis amava o Rio de Janeiro, e costumava correr pelas ruas da cidade onde nasceu, escreveu, amou e morreu. Algo que ele disse: “Eu sou um peco fruto da capital, onde nasci, vivo e creio que hei de morrer, não indo ao interior senão por acaso e de relâmpago...”

Este Rio de Janeiro que conhecemos atualmente é bem diferente do que realmente era na época de Machado, época esta ainda do Império. Possuía iluminação a gás, mas apenas no centro. A cidade era malcheirosa, com águas estagnadas por todo lado. Havia um transporte muito precário para uma população estimada em 300 mil habitantes, metade escravos.

Quanto a arquitetura, as chácaras dos ricos contrastavam com as casa humildes dos mais pobres. Machado, ainda menino, chegou a freqüentar a Chácara do Livramento, sob a proteção da madrinha, senhora muito rica, dona da propriedade.

Em meados do século XIX, o mapa socioeconômico brasileiro começa a sofrer algumas modificações. Havia no país uma população média de 7 milhões de habitantes. Pouca gente para muito país.

Os cafeicultores mandavam nas terras do Sul, no nordeste eram os criadores de gados e os donos dos canaviais. Estes mandavam em tudo, nas terras, nos escravos, no dinheiro e na política.

Daí começou a se formar uma burguesia dedicada ao comércio, ao lado desta restrita classe dominante. Esta burguesia logo começou a querer interferir nos destinos da nação.

O Brasil era o único país ocidental que, ainda, admitia o trabalho escravo –1880. Mas desde quando Machado era criança, em 1850, que já se havia concretizado o primeiro passo da luta abolicionista, com a extinção do tráfico de negros, algo que realmente não fora extinto até então.

A produção de cana-de-açúcar começou a decair e o florescimento da lavoura de café no sul, fez com que os senhores de engenho vendesses escravos para eles, intensificando o tráfico interno de negros.

Há muito tempo muitos criticavam a postura de Machado perante o problema da escravatura, por ele, então, ser neto de negros. Percebemos hoje que isso não é realmente verdadeiro, pois Machado se preocupava sim, mas seu modo de demonstrar era diferente dos demais. Ele preferiu usar nas análises e nas reflexões. Em sua obra (crônica, contos, romance) procurou desvendar os mecanismos econômicos e ideológicos que tentavam justificar, antes de tudo, a necessidade de precisar do trabalho escravo.

A formação de um partido liberal radical, em 1868, foi precedida de declarações de princípios abolicionistas e pré-republicanos; e, de fato, já em 1870, uma ala dos progressistas fundava o Partido Republicano, que operaria a fusão da inteligência nova com o arrojo de alguns políticos de São Paulo, interessados na substituição do escravo pelo trabalho livre. Às idéias respondiam os fatos: em 1970, entram no país quase 200 mil imigrantes; em 1980, quase meio milhão.

O tema da abolição e, em segundo tempo, o da República serão o fulcro das opções ideológicas do homem culto brasileiro, a partir de 1870. Raras vezes essas lutas estiveram dissociadas: a posição abolicionista, mas fiel aos moldes ingleses da monarquia constitucional, encontrou um seguidor no último grande romântico liberal do século XIX.

Mas a norma foi à expansão de uma ideologia que tomava aos evolucionistas as idéias gerais para demolir a tradição escolástica e o ecletismo de fundo romântico ainda vigente, e pedia à França ou aos Estados Unidos modelos de um regime democrático.

As influências do positivismo chegam ao Rio de Janeiro, onde Seguidores de Comte, reúnem-se. O positivismo, na sua forma ortodoxa ou não, estará presente, inspirando ou determinando posições, ora de indiferença perante a atividade política, ora de intervenção direta nos acontecimentos.

Em 1883, num clima repleto de presságios, estoura a “Questão Militar”, espécie de resposta à “Questão Religiosa”, que deflagrara na década anterior. Por fim, o Senado, compreendendo que a crise se tornaria insustentável, apela ao Imperador, e as restrições foram suspensas em maio de 1887, dando por encerrada a “Questão Militar”.

Enquanto isso, a abolição a escravatura ganha força. Em 1885, a Lei Saraiva-Cotegipe punha em liberdade os escravos sexagenários. A Lei Áurea é assinada pela Princesa Isabel.

As idéias republicanas vinham ganhando forças em 1870, quando são lançadas as bases do Partido Republicano.

Alguns fatores foram cruciais para o fim da Monarquia: a abolição e a Guerra do Paraguai. Em 15 de novembro de 1889 chaga ao fim à Monarquia de D. Pedro II. É, enfim, proclamada a República e assumindo o poder o Marechal Deodoro da Fonseca.

Começa, assim, em 1891 a imigração estrangeira de trabalhadores europeus, principalmente de italianos. Graças à corrente imigratória, o café tem um surto de prosperidade, sobretudo em São Paulo.

Por outro, a Nação presenciava a corrida à Bolsa, a desenfreada especulação, a descontrolada emissão da moeda, a ganância pelo lucro fácil e fictício. Assim com Taunay fixaria em um de seus romances (1890 – 1892).

Surge a Revolução Federalista, em fevereiro de 1893, no Rio Grande do Sul, pelos partidários do governo federal, insatisfeitos com a ditadura de Júlio de Castilhos; e a Revolta da Armada, ocorrida em 6 de setembro do mesmo ano, em repúdio à intenção que o Marechal Floriano, sucessor de Deodoro, manifestara de permanecer no governo até o fim do mandato que vinha preencher.A abolição foi declarada em 1888, ano ao qual Silvio Romero publicou: Histórias da Literatura Brasileira.

Em 1894, sucedendo ao Marechal Floriano, se tornaria o 1° presidente civil Prudente de Morais. Seu governo foi marcado pela instabilidade política e pela Campanha de Canudos (1896), desencadeada contra os jagunços reunidos no arraial de Canudos, no sertão baiano, para realizar as promessas místicas de seu líder, Antônio Vicente Mendes Mariel, ou Antônio Conselheiro. Suspeitando que pretendessem atentar contra a República, o governo estadual e federal organizou várias expedições contra os seguidores de Conselheiro, até dizimá-los completamente a 5 de outubro de 1897. Euclides da Cunha, que presenciou a luta, relataria em seu livro: Os Sertões (1902), uma das obras fundamentais de nossa cultura.

O Realismo brasileiro surge com as publicações: O Mulato, de Aluízio de Azevedo, e, Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, ambos em 1881. Em 1902, com o surgimento de Canaã, de Graça Aranha, e, Os Sertões, de Euclides da Cunha, pode-se considerar encerrada a época realista.

A ponte literária entre o último Romantismo e a “cosmovisão” realista será lançada, como ao seu tempo se verá, pela “poesia científica” e a literária. O plano da invenção ficcional e poética, o primeiro reflexo sensível é a descida de tom no modo de o escritor relacionar-se com a matéria de sua obra.

O Realismo se tingirá de naturalismo, no romance e no conto, sempre que fizer personagens e enredos submeteram-se ao destino cego das “leis naturais” que a ciência da época julgava ter codificado; ou se dirá parnasiano, na poesia à medida que se esgotar no lavor do verso tecnicamente perfeito.

Nas últimas décadas do século XIX, a produção literária alcança sua maturidade; “tal se compreende ao cenário histórico, político, sociais e econômicos”. É, então, que enfim a Literatura Brasileira inicia sua caminhada para alcançar sua plena identidade, com um nível de literatura autônoma e madura.



          4.3. A Prosa Realista


O romance realista começa com o fim do romance romântico, opondo-se criticamente a ele, sendo, sem dúvida à crítica ao romantismo.

Enquanto o romance romântico gira em torno do casamento, ou seja, dos antecedentes que conduzem ao enlace burguês, já o romance realista focaliza a situação criada pelo casamento, não a feliz, suposta pelo romance romântico, onde tudo é belo e perfeito, mas sim o real. É na realidade que o romance realista encontra base, entretanto o adultério. Assim como acontece no romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, onde o casamento não os tornou felizes para sempre, pois o suposto “adultério” de Capitu com Escobar havia quebrado o cristal do amor e fidelidade eterna. É claro que, também, pode-se achar adultério no romance romântico, mas é mais raro, além de se tratar de ser motivado por questões sentimentais.

O realismo se propõe em estudar cientificamente a infidelidade conjugal, mostrando a falsa paz da burguesia romântica. De tal forma, podemos dizer que o realismo arranca a máscara hipócrita do romantismo. Portanto, o realismo escolheu o casamento, por se tratar da coluna da sociedade burguesa.

Concluímos, com isso, que uma sociedade melhor haveria de surgir das cinzas da burguesia. Então, é claro que o realismo se caracteriza pela sondagem na psicologia humana, por meio de gestos e atitudes seguidos do que se passam dentro de cada personagem. Afirmando-se, com tudo, que os padrões realistas, naturalistas e impressionistas não desapareceram de todo após o surgimento dO Canaã, em 1902, na verdade, continuam até 1922, de mistura com elementos simbolistas, e permanecem, até certo ponto, na ficção nordestina dos anos 30, sendo, de tal forma, atualíssimo até os dias de hoje.



5. Vida e Obra de Skinner


Skinner nasceu no dia 20 de Março de 1904 em Susquehanna, Pensilvânia, onde viveu até ir para o colégio. Segundo seu próprio relato, seu ambiente da infância era estável e não lhe faltou afeto. Ele freqüentou o mesmo ginásio onde seus pais haviam estudado; havia apenas sete outros alunos em sua sala ao final do curso. Ele gostava da escola e era o primeiro a chegar todas as manhãs. Quando criança e adolescente, gostava de construir coisas: trenós, carrinhos, jangadas, carrosséis, atiradeiras, modelos de aviões e até um canhão a vapor com o qual atirava buchas de batata e cenoura nos telhados dos vizinhos. Passou anos tentando construir uma máquina de movimento perpétuo. Também tinha interesse pelo comportamento dos animais. Lia muito sobre eles e mantinha um estoque de tartarugas, cobras, lagartos, sapos e esquilos listrados. Numa feira rural, ele observou certa vez um bando de pombos numa apresentação; anos mais tarde, ele treinaria essas aves para realizar uma variedade de façanhas.

A conselho de um amigo de família, Skinner se matriculou no Hamilton College de Nova York. Ele escreveu:



“Nunca me adaptei à vida de estudante. Ingressei numa fraternidade acadêmica sem saber do que se tratava. Não era bom nos esportes e sofria muito quando as minhas canelas eram atingidas no hóquei sobre o gelo ou quando melhores jogadores de basquete faziam tabela na minha cabeça... Num artigo que escrevi no final do meu ano de calouro, reclamei de que o colégio me obrigava a cumprir exigências desnecessárias (uma delas era a presença diária na capela) e que quase nenhum interesse intelectual era demonstrado pela maioria dos alunos. No meu último ano, eu era um rebelde declarado” [3].



Como parte dessa revolta, Skinner instigava trotes que muito perturbaram a comunidade acadêmica e se entregava a ataques verbais aos professores e à administração. Sua desobediência continuou até o dia da graduação, quando na abertura das cerimônias, o diretor o alertou, e aos seus amigos, que, se não se comportassem, não colariam grau.

Ele se formou em inglês, recebeu a chave simbólica da Phi Beta Kappa e manifestou o desejo de tornar-se escritor. Quando criança, tinha escrito poemas e histórias, e, em 1925, num curso de verão de sobre redação, o poeta Robert Frost fizera comentários favoráveis sobre seu trabalho. Durante dois anos depois da formatura, Skinner dedicou-se a escrever e então decidiu que não tinha “nada importante a dizer”. Sua falta de sucesso como escritor o deixou tão desesperado que ele pensou em consultar um psiquiatra. Considerou-se um fracasso e estava com sua auto-estima abalada. Também estava desapontado no amor; ao menos uma meia dúzia de jovens havia rejeitado suas investidas, deixando-o com o que ele descreveu como intensa dor física. Skinner ficou tão perturbado que gravou a inicial do nome de uma mulher no braço, onde ela ficou durante anos.

Depois de ler sobre John B. Watson e Ivan Pavlov, Skinner decidiu transferir seu interesse literário pelas pessoas para um interesse mais científico. Em 1928, inscreveu-se na pós-graduação de psicologia em Harvard, embora nunca tivesse estudado psicologia antes. Foi para a pós-graduação, disse ele, “não porque fosse um adepto totalmente comprometido da psicologia, mas para fugir de uma alternativa intolerável”. Comprometido ou não, doutorou-se três anos mais tarde. Seu tema de dissertação dá um primeiro vislumbre da posição a que ele iria aderir por toda a sua carreira. Sua principal proposição era de que um reflexo não é senão a correlação entre um estímulo e uma resposta.

Depois de vários pós-doutorados, Skinner foi dar aulas na Universidade de Minnesota (1936–45) e na Universidade de Indiana (1945–47). Em 1947, voltou a Harvard. Seu livro de 1938, “O Comportamento dos Organismos”, descreve os pontos essenciais de seu sistema. Cinqüenta anos mais tarde, esse livro foi considerado “um dos poucos livros que mudaram a face da psicologia moderna”, e ainda é muito lido. Seu livro de 1953, “Ciência e Comportamento Humano”, é o manual básico da sua psicologia comportamentalista.

Skinner manteve-se produtivo até a morte, aos oitenta e seis anos, trabalhando até o fim com o mesmo entusiasmo com que começara uns sessenta anos antes. Em seus últimos anos de vida, ele construiu, no porão de sua casa, sua própria “caixa de Skinner” – um ambiente controlado que propiciava reforço positivo. Ele dormia ali num tanque plástico amarelo, de tamanho apenas suficiente para conter um colchão, algumas prateleiras de livros e um pequeno televisor. Ia dormir toda noite as dez, acordava três horas depois, trabalhava por uma hora, dormia mais três horas e despertava às cinco da manhã para trabalhar mais três horas. Então, ia para o gabinete da universidade para trabalhar mais, e toda tarde retemperava as forças ouvindo música.

Aos sessenta e oito anos, escreveu um artigo intitulado “Auto-Administração Intelectual na Velhice”, citando suas próprias experiências como estudo de caso. Ele mostrava que é necessário que o cérebro trabalhe menos horas a cada dia, com períodos de descanso entre picos de esforço, para a pessoa lidar com a memória que começa a falhar e com a redução das capacidades intelectuais na velhice. Doente terminal com leucemia, apresentou uma comunicação na convenção de 1990 da APA, em Boston, apenas oito dias antes de morrer; nela, ele atacava a psicologia cognitiva. Na noite anterior à sua morte, estava trabalhando em seu artigo final, “Pode a Psicologia ser uma Ciência da Mente?”, outra acusação ao movimento cognitivo que pretendia suplantar sua definição de psicologia. Skinner morreu em 18 de Agosto de 1990.

Nenhum pensador ou cientista do século 20 levou tão longe a crença na possibilidade de controlar e moldar o comportamento humano como o norte-americano Burrhus Frederic Skinner (1904-1990). Sua obra é a expressão mais célebre do behaviorismo, corrente que dominou o pensamento e a prática da psicologia, em escolas e consultórios, até os anos 1950. Skinner também é considerado o pai da corrente que foi denominada behaviorismo radical.



          5. 1. O Comportamentalismo


O Behaviorismo Radical, assim como o comportamentalismo, foi proposto pelo psicólogo americano Burrhus Skinner, que desenvolveu o princípio de condicionamento operante e a sistematização do modelo de seleção, para explicar o comportamento.

Quando um comportamento é seguido da apresentação de um reforço positivo ou negativo, aquela resposta tem maior probabilidade de se repetir com a mesma função; do mesmo modo, quando o comportamento é seguido por uma punição (positiva ou negativa), a resposta tem menor probabilidade de ocorrer posteriormente.

O Behaviorismo Radical foi desenvolvido não como um campo de pesquisa experimental, mas sim uma proposta de filosofia sobre o comportamento humano. As pesquisas experimentais constituem a Análise Experimental do Comportamento, enquanto as aplicações práticas fazem parte da Análise Aplicada do Comportamento.

O Behaviorismo Radical seria uma filosofia da ciência do comportamento. Skinner foi fortemente anti-mentalista, ou seja, considerava não pragmáticas as noções "internalistas" (entidades "mentais" como origem do comportamento) que constroem as diversas teorias psicológicas existentes.

Skinner jamais negou em sua teoria a existência dos processos mentais (eles são entendidos como comportamento), mas afirma ser improdutivo buscar nessas variáveis a origem das ações humanas. Skinner inventou um aparelho que hoje é muito conhecido e utilizado nos laboratórios de Psicologia, a chamada caixa de Skinner.

É uma caixa retangular, em uma das paredes dessa caixa há um pequeno buraco para fornecimento de água, uma pequena bandeja e uma barra horizontal. Ligado á caixa, do lado de fora, há um depósito de bolinhas de alimento, esse depósito deixa cair na bandeja uma bolinha toda vez em que a barra é pressionada. O experimentador deixa um rato 24 horas sem comer e o prende dentro da caixa com a bandeja de alimento vazia, em busca de comida ele começa a fazer movimentos exploratórios dentro da caixa, com esse comportamento ele se eleva para cheirar parede da caixa e pressiona a barra com uma de suas patas, com isso faz com que caia uma bolinha dentro da bandeja, após apanhar e comer o alimento ele volta pressionar a barra.

Então Skinner concluiu que os ratos em busca de alimentos apresentavam um ato que não tinha nada haver com alimentação (pressionar a barra). No experimento a reação foi repetitiva por ter sido seguida de um efeito agradável (o surgimento do alimento), esse efeito agradável que ocorre após o sujeito apresentar uma reação é chamado de reforço, nesse caso o alimento estimulou o reforço. Skinner chamou isso de condicionamento operante.



          5.2. Condicionamento Clássico e Operante


Segundo Skinner (1982):



"A espécie humana, como as demais espécies, é um produto da seleção natural. Cada um de seus membros é um organismo extremamente complexo, um sistema vivo, o objeto da Anatomia e da Fisiologia" [4].



O comportamento, qualificado por Skinner como uma característica primordial dos seres vivos, foi estudado de modo isolado, assim como a respiração, a digestão, a circulação.

Os seres vivos em sua natureza obedecem a comportamentos inatos (considerados como sendo instintos). Como exemplo, podemos observar o recém-nascido que age segundo seus comportamentos inatos, bem como chorar, mamar, respirar, urinar e defecar.

Estes comportamentos inatos (instintos) estão diretamente relacionados à sobrevivência do animal, isto é, há certos comportamentos que fazem parte da programação genética do organismo, assim, podemos citar a tendência agressiva que tem um animal quando ferido ou ameaçado e, também, o fato de algumas espécies defenderem seu território.

Skinner (1982) afirmou que:



"É mais fácil imaginar contingências de sobrevivência se o comportamento tornar mais provável que os indivíduos sobrevivam e se reproduzam e se as contingências prevalecerem por longos períodos de tempo. As condições internas do corpo têm comumente satisfeito essas duas exigências e algumas características do meio exterior, tais como os ciclos de dia e noite, ou as estações do ano, ou da temperatura ou o campo gravitacional, são de longa duração" [5].



O comportamento em si está relacionado a algumas condições, tais como estimulação externa ou interna, a idade, ou, o nível de privação. Esta relação entre o agente externo (estímulo) e o comportamento (resposta) é denominada de reflexo.

O reflexo está diretamente ligado a partes específicas do cérebro, podendo de tal modo, ser verificado como comportamentos de mesma natureza, que se reflete em espécies diferentes. Este reflexo foi primeiramente identificado com eventos neurais hipotéticos, denominando-se então de "arco reflexo". Portanto, alguns comportamentos podem ser previstos, haja vista que são respostas reflexas a estímulos dados, como exemplo, pode-se citar a dilatação da pupila quando esta é exposta a um feixe de luz. Mais tarde, o reflexo tornou-se mais importante, quando de sua análise foi feita a demonstração da possibilidade de criar novas relações entre estímulos e respostas.

Sabemos, então, que os reflexos estão diretamente relacionados à fisiologia interna do organismo e que podem ser condicionados. Há dois tipos de condicionamentos, o condicionamento clássico e o condicionamento operante ou instrumental.

O condicionamento clássico, de um modo geral, está ligado a um reflexo, que pode ser observado antes do condicionamento. Está apoiado num relacionamento estímulo-resposta.

Então, após a apresentação do estímulo não-condicionado e do estímulo condicionado, aproximadamente o mesmo número de vezes, o estímulo condicionado irá, por conta própria evocar a resposta não-condicionada; essa resposta, por sua vez será denominada de resposta condicionada.

O condicionamento clássico pode envolver respostas que não estão sob o controle voluntário, no entanto, estas respostas podem ser influenciadas mediante condicionamento, visto que os processos internos de nosso corpo são afetados por nossas experiências, podendo ser causada uma disfunção pela situação de estímulo em que os achamos.

Para que se torne efetivo o condicionamento, é necessário que se faça um planejamento do intervalo de tempo entre os estímulos, pois a apresentação simultânea dos dois não é o melhor meio de se condicionar.

O outro tipo de condicionamento é o Condicionamento Instrumental ou Operante, o qual se baseia no princípio de que o comportamento é influenciado por suas conseqüências, sendo fortalecido por estas, que por sua vez, são denominadas de "reforço".

Segundo Skinner, entende-se por reforço tudo aquilo que aumenta a probabilidade de re-ocorrência de uma resposta.

O reforço no comportamento operante é capaz de modelar um repertório comportamental, aumentando a eficiência do comportamento, e o mantendo fortalecido por muito tempo, mesmo que já se tenha perdido o interesse.

No sistema skinneriano tem-se o reforço positivo (atingir a meta ou receber uma recompensa), e o reforço negativo (retirada de algo desagradável) e a punição (redução de certo comportamento por meios de eventos contingentes).

Para que o comportamento operante ocorra, é necessária a estimulação de seu organismo pelas conseqüências de seu comportamento, dependendo também da espécie (considerando os limites biológicos de cada uma), do total e da validade dos reforços.

O controle do comportamento está diretamente proporcional ao reforço, este, diz respeito à recompensa ou a outra conseqüência que advém após a ocorrência de uma resposta específica; e, a freqüência desta resposta que resulta do reforço depende do grau de privação no momento em que a resposta foi observada.

Caso ocorra a demora do aparecimento da resposta a ser reforçada, pode-se utilizar uma técnica chamada "modelagem", ou seja, respostas que se assemelham àquela desejada são reforçadas, e o critério de reforço gradualmente é deslocado para a resposta desejada.

Podem-se utilizar, também, esquemas de reforço. Um deles é o esquema de intervalo fixo, onde o organismo a ser condicionado tem a primeira resposta dada reforçada depois de um determinado intervalo de tempo, e, deixando de ser dado o reforço durante outro intervalo tempo determinado. Neste esquema de intervalo fixo, a resposta esperada é dada de maneira lenta, mas, conforme se aproxima o fim do intervalo, obter-se-á uma aceleração da resposta.

O esquema de intervalo variável é outro também utilizado, onde o organismo é reforçado em intervalos de tempo que variam de modo irregular. Através deste esquema é capaz de se obter um firme índice de respostas, possibilitando o estudo de mudanças referentes ao tratamento experimental.

O último esquema, mais utilizado, é o esquema de proporção variável, no qual os reforços também são imprevisíveis, ocorrendo à mudança de proporção das respostas que variam de maneira irregular.

Um estímulo apresentado no reforço operante pode ser emparelhado com outro no condicionamento respondente.

Nas palavras de Skinner (1998):



"Os reforçadores condicionados são, com freqüência, o produto de contingências naturais. Geralmente, alimento e água são recebidos apenas depois de o organismo ter-se ocupado de comportamentos ‘precorrentes’, depois de operar sobre o meio a fim de criar a oportunidade de comer e beber. Os estímulos gerados por esse comportamento precorrentes tornaram-se então reforçadores" [6].



No condicionamento operante o que muda é a probabilidade de ocorrência de uma resposta de classe semelhante, é o operante como classe de comportamento e não a resposta como caso particular, o que é condicionado.

O ponto básico do comportamento operante é a proposição de que o comportamento pode ser fortalecido por recompensas contingentes. Podendo adquirir duas formas de aprendizagem, de como fugir de situações assustadoras ou perigosas e como se acercar mais dos reforçadores positivos.

O reforço positivo é visivelmente observável nas demonstrações feitas por animais de laboratório recompensados com alimento. A modelagem gradual de novas capacidades ou categorias de resposta pode ser muito útil, especialmente quando combinada com meios adicionais de direção do comportamento, como exemplo a instigação ou a instrução.

Em relação ao reforço negativo pode-se dizer que é aquele ato aprendido ou fortalecido que impede ou remove sensações desagradáveis. Em referência à punição, ocorre quando se tem uma resposta suprimida ou debilitada, quando é acompanhada de perda de recompensa ou dor. 6. Resumo da obra: Dom Casmurro

Publicado no Rio de Janeiro, em meados 1899 e começo de 1900, Dom Casmurro gira em torno de dois personagens principais: Bentinho e Capitu.

O romance compõe-se de 148 capítulos curtos, com títulos bem precisos, que refletem o seu conteúdo.

Explica-se, primeiramente, o nome do livro e o porquê da alcunha a Bento Santiago de “Dom Casmurro”; o “casmurro” por ter hábitos reclusos e calados, o “Dom” para ironicamente dar ares de fidalgo.

Este narrador-personagem, depois de tentar, sem sucesso, reconstruir sua vida através de uma cópia de sua casa na infância, Bentinho, como era chamado o personagem de sua infância, decide atar as duas pontas da sua vida, através de um livro, uma autobiografia, tentando restaurar na velhice a adolescência e desta forma viver o já vivido. Ele vivia em uma boa casa, protegido do mundo pelo círculo doméstico e famílias que era a sua mãe Glória, uma viúva, tio Cosme e prima Justina e também José Dias, agregado da família, que já era considerado como membro da família.

Em novembro de 1857, Bentinho escutou uma conversa entre José Dias e sua mãe, este aconselhava D. Glória a colocar Bentinho no seminário o mais rápido possível, a fim de cumprir uma promessa feita no passado, porque já havia a desconfiança de que Bentinho estava apaixonado por Capitu, uma vizinha e amiga de infância.

Após escutar tal conversa, Bentinho acorda sentimentos que ainda não havia percebido e passa realmente a gostar de Capitu, após declarar-se e ser correspondido, começa a fazer mil planos para não ir para o seminário, mas não conseguiu escapar do destino imposto pela religiosidade da mãe.

Ambos, Bentinho e Capitu, cresceram juntos, trocando desde cedo confidências. Apresentam desde cedo o amor que os envolve fortemente. Entretanto, a mãe de Bentinho sonha em fazê-lo padre, e para isso toma as providências necessárias, que só não resultam no esperado porque José Dias, o agregado, interfere.

Foi, então, para o seminário, onde conheceu seu melhor amigo, Escobar. Bentinho só conseguiu sair do seminário após uma conversa que teve com a mãe e a convenceu de custear os estudos de outro menino, para fazê-lo padre em seu lugar.

A narrativa vai lenta até aqui (capítulo XCVII), quando o narrador-personagem Bentinho sai do seminário, já com mais de dezessete anos.

Com vinte e dois anos, formou-se Bacharel em Direito e após tantos sacrifícios, voltou, enfim para casa. Foi em 1865, uma tarde chuvosa de março onde se casou com sua amada Capitu. E assim, começaram uma vida feliz de casados, a alegria não fora maior pela ausência de um filho.

Seu amigo Escobar também saiu do seminário e casou-se com Sancha, amiga de Capitu, e engajou-se no ramo do comércio. Pouco tempo depois teve uma filha e a chamou de Capitulina, em homenagem a Capitu, pois os dois casais se tornaram muito amigos.

Ao fim de alguns anos nasce um filho, Ezequiel, nome dado a ele para retribuir o nome que o casal amigo deu a filha. Este, crescendo, entra a manifestar espantosa capacidade de imitação, dirigida para as pessoas à volta, inclusive Escobar. Assim, começo os ciúmes de Bentinho, a princípio ele rumina a sua frustração, silenciosamente.

Outros anos se passam, e, um dia antes da morte de seu melhor amigo Escobar, Bentinho sente uma forte atração por Sancha – a esposa do amigo. Então, no dia do enterro, vê no rosto de Capitu a confissão de culpa – para Bento Santiago, ela estava o traindo com o amigo. Essa dúvida se deu, pois ele achava que Capitu estava triste demais, mais que o normal e que tentava dissimular a tristeza.

No dia seguinte à morte do seu amigo, Bentinho repara na fotografia que tinha em sua casa do falecido, e nota uma semelhança com seu filho, a partir daí, começa então a surgirem fatos, situações e lembranças que comprovam que havia sido enganado pela sua amada esposa e seu melhor amigo Escobar.

O sentimento de traição era horrível e Bentinho até tentou suicidar-se, mas Ezequiel fez perceber que apesar de ser um filho bastardo, havia o sentimento amoroso entre pai e filho.

A obsessão dele por causa da “traição” de Capitu era enorme, ainda maior pelo fato dele ver em Ezequiel a aparência de seu amigo, Escobar.

Ezequiel foi colocado em um internato, mas à medida que o tempo foi passando sua semelhança com o falecido foi aumentando e nos fins de semana era impossível para Bentinho sentir-se em paz.

Bento não conseguiu expor claramente suas idéias para Capitu, não houve, de certo, uma conversa muito clara entre eles, por sua vez, ela disse que a semelhança do menino com Escobar era casualidade do destino, mas mesmo assim decidiram partir uma separação amigável, mantendo as aparências.

Bentinho resolveu, então, levar a família à Europa, e voltou de lá sozinho. Viajou outras vezes à Europa, mas nunca mais voltou a ver Capitu.

O tempo foi passando e morreram Tio Cosme, D. Glória e José Dias.

Capitu falece anos depois na Europa. Ezequiel retorna para rever seu pai, Bentinho, mas não é bem aceito por ele, pois achou a imagem perfeita de Escobar. Passados alguns meses, Ezequiel parte para o Oriente Médio, onde morre por lá, de febre tifóide.

A trama acaba com Bentinho sozinho, reconstruindo a casa da Rua Matacavalos, onde vivera na infância.

Já o adultério não foi comprovado, já que o narrador-personagem apresenta uma série de provas e contraprovas, como por exemplo, o fato de Capitu ser tão parecida com a mãe de Sancha sem haver nenhum parentesco entre ambas.

Mortos todos, familiares e velhos conhecidos, Bentinho, em sua vida fechada, ainda têm algumas amigas que o consolam, mas jamais esqueceu o seu grande amor.

A narrativa de seu livro não se mostrou eficaz, pois nos parece que ele quis buscar elementos em Capitu menina que comprovassem seu adultério, mas conseguiu comprovar sua fragilidade diante dela, ao tentar atar duas pontas de sua vida: a adolescência com a velhice e após término, para esquecer o relembrado, o revivido.



7. Análise da Narrativa


         7.1. Narrador e Foco Narrativo


Narrado em 1º pessoa por um narrador-personagem, que se coloca como escritor, a história de Dom Casmurro tem como primeira chave para tentarmos nos aproximar de seu enigma a própria figura deste que ao mesmo tempo a vive e relata.

Trata-se de um velho homem solitário, apelidado de Dom Casmurro, que por cansaço da monotonia em que vive, passa a relatar sua história. Outro ponto a ser mencionado, é o fato de seu narrador não ser confiável. Ele mente, distorce, confunde o leitor, com quem conversa ao longo da narração, anunciando a metalinguagem da literatura do século XX.

Machado adota um narrador unilateral, fazendo dele o eixo da forma literária, então inscrevia entre os romancistas inovadores, além de convergir com os espíritos adiantados da Europa, que sabiam que toda representação comporta um elemento de vontade ou interesse, o dado oculto a examinar, o indício da crise da civilização burguesa – como já fora citado anteriormente.

No romance, a dramatização do ato de narrar é um dos componentes essenciais do enredo e da vida do protagonista.

Tal dramatização consiste no seguinte: em vez de simplesmente escrever uma estória, Machado inventou uma personagem (um pseudo-autor) de quem nos é dado ver o ato de escrever o seu próprio romance.

O romance Dom Casmurro também pode ser entendido como uma auto-análise de Bento Santiago, sobrevivente único de uma estória de amor, com um final amargo: pois o mesmo julga-se traído pela amada esposa e pelo seu melhor amigo Escobar. Vários anos após a morte da esposa, ele decide escrever o livro para restaurar no presente o equilíbrio perdido no passado

O ponto de vista de Bentinho domina tudo na narrativa. Até mesmo os demais personagens que passam de projeções de sua alma. São lembranças do seu passado, que vão ressurgindo do subsolo da memória à medida que ele procura a reconciliação em si mesmo.



         7.2. Linguagem


Em Dom Casmurro, Machado de Assis utiliza de alguns aspectos centrais na linguagem do mesmo. São reflexões metalinguísticas, as ironias às expectativas do leitor, as digressões. Através delas, o narrador nos revela, como se estivesse escondendo, não só os “bastidores” sombrios da personificação de Bentinho, mas também a própria arquitetura do romance.

Ao lermos o capítulo 59 encontramos:



“(...) nada se emenda bem nos livros confuso mas tudo se pode meter nos livros omissos (...) é que tudo se acha fora de um livro falho, leitor amigo. Assim preencho as lacunas alheias; assim podes também preencher também as minhas”.



Esse fluxo é trabalhado literalmente ao longo do romance. Portanto, na linguagem de Dom Casmurro há reflexões metalinguística – sempre recoberta pela ironia se seu ritmo, se sua não linearidade, da presença de “reticências”.



         7.3. O Espaço


No romance Machadiano, Dom Casmurro, o protagonista – Bentinho –viveu sua infância toda na Rua Matacavalos, em companhia se sua grande amiga, que era também sua vizinha.

Bento Santiago só vai sair de lá, para entrar no seminário – promessa de sua mão que não poderia ser quebrada – mas deixa lá em sua terra natal a sua mãe, o seu tio, e além de outras pessoas, seu grande amor, Capitulina.

Após sair do seminário, casa-se com seu grande amor, que era também sua grande amiga, e eles vão os dois juntos morar nos altos da Tijuca, na praia da Glória, mas fazem visitas freqüentes a Matacavalos, onde agora moram o pai de Capitu, a mãe de Bentinho, assim como parentes e o agregado.

E é explorando cada uma dessas regiões, bem como as pessoas com quem conviveram e que interagem no enredo, que o livro é narrado, com emoção e riqueza de detalhes.



         7.4. As personagens


Bentinho, quando ainda mais jovem, era um pouco mais baixo que Capitulina, não apresentando traços físicos definidos, revelava-se como um moço rico, mimado pela mãe, talvez, por isso, não tinha a mesma personalidade forte, espírito vivaz e iniciativa da amiga.

A priori, Bento Santiago se dividia entre o amor de sua mãe, e o amor de Capitu. Enquanto escreve o livro, também se divide, mas agora é entre o passado e o presente; acusando e louvando a já morta, Capitu.

Bentinho jamais pretendeu ser padre, mas fora sua mãe que o determinou a tal atitude. Seus planos eram de se casar, futuramente, com sua amiga e amada, Capitulina.

Depois de velho, e após tantas perdas, como a morte de seus familiares e amigos, passou a viver solitário e totalmente isolado. Ele mesmo afirma isso: “(...) uso louça velha e mobília velha. Em verdade, pouca pareço e menos falo. Distrações raras, o mais do tempo e gasto em horta, jardins e ler, como bem e não durmo mal”.

Quanto a Capitulina, apelidada de Capitu, no início da narrativa, estava com 14 anos, e um pouquinho mais alta que Bentinho, como já fora antes citado. Ela tinha os cabelos grossos negros e compridos até a cintura. Seus olhos eram negros e misteriosos a ponto de despertar no narrador a comparação com a ressaca do mar. Era esperta, inteligente, extrovertida e criativa. Foi ela quem pensou, primeiramente, em tomar atitudes quanto ao fato de Bentinho tornar-se padre. Após a entrada dele no seminário, ela passou a maior parte do tempo com D. Glória, e tornam-se muito ligadas.

O narrador-personagem, Bento Santiago, deixa transparecer nas entrelinhas um defeito de Capitu, que era o fato dela ser pobre.

Escobar era um rapaz polido de olhos claros e dulcíssimos – opinião de José Dias.



“A cara raspada mostra uma pele alva e lisa. A testa é que era um pouco baixa,... era interessante de rosto, boca fina e chocarreira, o nariz curvo e delgado. Olhos claros, esbelto, era um pouco fugitivo, com as mãos,... com tudo”.



Escobar e Bentinho se conheceram no seminário e rapidamente tornam-se bons amigos. Ele, pelo fato que tinha facilidade com os números, sonhava ser comerciante e assim que abandonasse o seminário se dedicaria ao cultivo do café.

Ele era peça fundamental da trama, pois Bentinho pensava que Escobar e Capitu eram amantes.

José Dias, aquele o qual usava calças brancas engomadas, presilhas, rodaque e gravata de mola. Era muitíssimo magro, com um princípio de calva, e dedicado a família de Bentinho, até a morte. Ele era agregado em casa de D. Glória; apresentava-se como médico, mas não o era.

Já a mãe de Bentinho era D. Glória, que era muito religiosa, e já viúva.



          7.5. O Tempo


A narrativa decorre de uma forma chamada de flashback[7], o qual domina no romance não é o tempo cronológico[8], mas sim o tempo psicológico[9], o que se passa na lembrança de Bentinho, sendo assim, suas vivências e lembranças.



8. Análise do romance Dom Casmurro



         8.1. Introdução à Análise


Dom Casmurro é uma das obras clássicas machadiana que mais controvérsias têm levantado em relação ao enigma, que há em Capitu, e da incerteza que rodeia o livro: houve ou não adultério? Ou será que Bentinho imaginara tudo, era um obcecado?

Nosso trabalho é levantar questões sobre a suposta “traição”. Embora o narrador-personagem aponte cenas que nos tragam a dúvida sobre o ocorrido, pois ele sofre de vários problemas comportamentais, ao qual citaremos mais à frente. Sabemos, também, que por ele ser o narrador e personagem, fatos cruciais, que pode ter sido omitido pelo mesmo.

A história, de Dom Casmurro, tem como primeira chave, para tentarmos nos aproximar de seu enigma, a própria figura deste que, ao mesmo tempo a vive e a relata. Assim, trata-se de um velho solitário apelidado de Dom Casmurro – apelido dado por um rapaz que se aborreceu com Bento Santiago em um trem, por ter dormido enquanto aquele lia seus versos.

Outro ponto a ser mencionado no romance é o fato de seu narrador não ser confiável. Ele mente, distorce, dissimula e confunde o leitor com quem conversa ao longo da narração, anunciando a metalinguagem do século XX.

O romance realista começa com o fim do romance romântico, opondo-se criticamente a ele sendo, sem dúvida, à crítica ao romantismo e seus padrões da época, que era o casamento de aparências.

Em Dom Casmurro, a dramatização do ato de narrar é um dos componentes essenciais do enredo e da vida do protagonista. Tal dramatização consiste no seguinte: em vez de simplesmente escrever uma estória, Machado inventou um personagem – um pseudo-autor – de quem nos é dado ver o ato de escrever o seu próprio romance. Além de ser, também, entendido como uma auto-análise de Bento Santiago, sobrevivente único da estória. E por ser o único sobrevivente, não pode ser questionado por ninguém, pois todos já estão mortos.

Por fim, a suposta “traição” de Capitu com Escobar pode ser caída por terra, ou não. Apontamos, no decorrer deste trabalho, fatores importantes que nos dão respaldos de que talvez possa não ter havido a “traição”. Podemos citar que por se tratar de algo imaginado por uma mente doentia, insegura e ciumenta de Bento Santiago, tal evento pode não ter ocorrido. Assim, trata-se de uma versão pessoal de acontecimentos dramáticos sujeita, portanto, as omissões voluntárias ou causais, e as deformações porventura preconcebidas, muito provavelmente, no interesse de uma defesa do narrador, perante sua própria consciência.

Sendo Bento Santiago, mais conhecido como Bentinho, o personagem-narrador, ao qual é peça fundamental de nossa análise, tanto Literária, como Comportamental – seguindo a linha de Skinner.

8.2. Análise Literária e Comportamental

Explica-se, primeiramente, o nome do livro e o porquê da alcunha a Bento Santiago de “Dom Casmurro”; o “casmurro” por ter hábitos reclusos e calados, o “Dom” para ironicamente dar ares de fidalgo. O interessante é que ele realmente gostou de ser chamado assim “Dom Casmurro”, que até intitulou o livro com tal nome. Isso nos mostra um personagem que, realmente, gosta de viver as aparências – aparência de um fidalgo.

O foco principal dessa análise é o suposto adultério de Dona Capitulina (Capitu), esposa de Bentinho, com seu melhor amigo – Escobar – ao qual conhecera quando ambos freqüentaram o convento. Sendo que, nenhum deles se tornou padre.

O intuito dessa análise é mostrar, entre outros aspectos do comportamentalismo, a obsessão descontrolada, a personalidade fraca, a insegurança, a síndrome de inferioridade de Bentinho. Tais eventos podem ter provocado, em sua mente, um surto, e ele começou a imaginar, e acreditar, em tal traição, por parte da esposa.

Como já sabemos, depois de tentar, sem sucesso, reconstruir sua vida através de uma cópia de sua casa na infância, Bentinho decide atar às duas pontas da sua vida, através de um livro, uma autobiografia, tentando restaurar na velhice a adolescência e desta forma viver o já vivido.

De tal modo, fica-nos claro que, por ele querer, desesperadamente, atar as duas pontas da viva, escrevendo uma autobiografia, ele estava se sentido incomodado com sua vida atual. Com isso, podemos dividir em duas partes:

1º ao reconstruir a casa que vivera na infância;

2º uma autobiografia.

Entende-se, então, que Bento tinha um enorme arrependimento do que fizera no passado, e enorme sentimento de culpa, mas como era covarde, não admitia o mesmo. Assim, resolveu fazer a casa, que não dera certo.

Sua segunda opção foi à autobiografia, que não é confiável, pois todas as pessoas que com ele vivera na época, já estavam mortas, para poderem, então, reclamar de alguma calúnia, ou difamação dita pelo narrador-personagem.

No capítulo 2, por título Do Livro, notamos um fato interessante, quanto ao relato de Bento Santiago, que diz: “Um dia, há bastantes anos, lembrou-me reproduzir no Engenho Novo a casa em que me criei na antiga Rua de Matacavalos, dando-lhes o mesmo aspecto e economia daquela outra, que desapareceu”.

O que ressaltaremos do trecho anterior é o fato dele alegar que a antiga casa da Rua de Matacavalos desapareceu, dando-nos dúvida do que realmente aconteceu com a casa. Mas, se lermos outro trecho perceberemos algo interessante nos fatos relatados pelo personagem-narrador. Isto nota-se no capítulo 144, por título Uma pergunta Tardia, que diz: “Deixei que demolissem a casa, e, mais tarde, quando vim para o Engenho Novo, lembrou-me fazer esta reprodução por explicação que dei a um arquiteto...”

A princípio ele relata o desaparecimento, que nos deixam duvidas, mas ao fim do livro confessa que a mandou demolir. Ele é que dissimula com as palavras, não Capitu. Pois, dizer que algo desapareceu a permitir que demolissem é bem diferente. Podemos compreender, sim, que ele pode também, ter dito que desapareceu, pelo fato dele ter mandado demolir, mas, então, por que usar de palavras, que não são diretas e, que nos provoque dupla compreensão – como a palavra citada no início do livro, por desapareceu. Esta, sim, dá-nos a idéia de que ele não teve a participação no fato que levou ao desaparecimento da casa. É como se ele omitisse a demolição, que por fim, quem sabe por um descuido, ele relata o que realmente aconteceu. Assim, concluímos que, se ele omitiu um fato tão pequeno, poderia omitir fatos maiores e de maior importância.

Ainda no mesmo capítulo 2, que diz: “O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui”.

Aqui, a princípio, o autor-personagem está se referindo ao fato de recriar a casa, pois pensava que com isso, poderia voltar a ser o que era. E, por que é que queria tanto voltar à adolescência? Será que sua consciência estava pesada? Será que fizera algo que se arrependeu? É o que ressaltaremos mais para frente. Continuando no relato: “Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo”.

Ainda, outro fator que de suma importância de citarmos para concluirmos nosso pensamente que se encontra no capítulo 144, por título Uma pergunta Tardia, que diz:



“(...) fiz primeiro uma longa visita de inspeção por alguns dias, e toda a casa me desconheceu. No quintal a aroeira e a pitangueira, o poço, a caçamba velha o lavadouro, nada sabiam de mim. A casuarina era a mesma que eu deixara ao fundo, mas o tronco, em vez de reto, como outrora, tinha agora um ar de ponto de interrogação; naturalmente pasmava do intruso (...). Tudo me era estranho e adverso. Deixei que demolissem a casa...”



Ao unirmos os dois trechos – um do início do livro e o outro do fim – podemos chegar a uma conclusão bem interessante. Assim, fica-nos claro dizer que, no início, Bentinho deixa-nos claro que o fato crucial era a ausência que ele sentia dele, e isso é reafirmado no trecho acima, onde a casa o desconhece, sendo esta onde ele morara a infância e a adolescência. Havia algo de errado, algo de diferente, pois a casa era a mesma, mas ele não. E era isso que ele não queria admitir, o fato dele ter mudado, dele ser um intruso no seu próprio lar. Ele mudara! Então, por ser fraco e não saber lidar com isso demoliu a casa. Era mais fácil isso do que conseguir ser o mesmo Bentinho da adolescência. Demoliu, foi à decisão tomada. Fugir do problema, recurso dos covardes, ao invés de assumir erros, falhas, fraquezas e, até a mudança. Não fora, de certa forma, essa atitude tomada, por ele mesmo, em relação à esposa. Ele também, de certa forma, não demoliu o seu casamento e sua esposa, assim como fizera com a casa? Será que realmente, houve em Capitu, culpa? Ou será que a mudança dele mesmo, o fato dele não se reconhecer, fez com que, indiretamente, jogasse culpa a ela? Será ele o vilão?

Segundo Skinner, neste caso houve o comportamento de extinção, ou seja, ele extinguiu a casa e a presença de Capitu, pois lhe causavam desprazer. Assim, no sistema skinneriano tem-se o reforço negativo (retirada de algo desagradável).

Em relação ao reforço negativo pode-se dizer que é aquele ato aprendido ou fortalecido que impede ou remove sensações desagradáveis.

Quanto à Capitu percebemos como que Bentinho a descreve quando jovem, isso se dá no capítulo 13, por título Capitu:



“(...) Não podia tirar os olhos daquela criatura de quatorze anos, alta, forte e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma à outra, à moda do tempo, desciam-lhe pelas costas. Morena, olhos claros e grandes, nariz reto e comprimo, tinha a boca fina e o queixo largo. As mãos, a despeito de alguns ofícios rudes, eram curadas com amor; não cheiravam a sabão finos em água de toucador, mas com água de poço e sabão comum trazia-as sem mácula. Calçava sapatos de duraque[10], rasos e velhos, a que ela mesma dera alguns pontos”.



Já no capítulo 32, por título Olhos de Ressaca, observamos a descrição feita sobre Capitu, por José Dias:



“Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, ‘olhos de cigana oblíqua e dissimulada[11]’. Eu não sabia o que era oblíqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se podiam chamar assim (...); eu nada achei de extraordinário”.



Ele mesmo confessa que não havia achado nada de “extraordinário”, nem mesmo sabia o significado de oblíqua, então, por que abandonar suas idéias a respeito do que ele, realmente, via em Capitu, e acreditar no que José Dias via? Daí, podemos dizer que Bentinho era uma pessoa que se deixava se influenciar muito fácil; era, também, formado por uma personalidade fraca. Podemos confirmar tal afirmação num trecho do capítulo 40, por título A Audiência Secreta:



“Como eu buscasse contestá-la, repreendeu-me sem aspereza, mas com alguma força, e eu tornei ao filho submisso que era (...); não me disse as circunstâncias, nem a ocasião, nem os motivos dela, coisas que só vim a saber mais tarde. Afirmou o principal, isto é, que a havia de cumprir, em pagamento a Deus”.



Aqui há a confissão de Bentinho de, tronar-se “ao filho submisso que era”. Ele nem sabia o porquê de ter que cumprir tal promessa, não relutou em saber os motivos, nem em dizer e apontar seus desejos; não, para ele era mais fácil obedecer do que enfrentar o problema. Está aí a prova de covardia e medo que traziam a personalidade fraca de Bentinho.

Mas ele, nascido por um milagre de Deus, relutava em crescer. Uma vida confortável e despreocupada não o ensinou a lutar por seus desejos. Tudo já estava garantido e previsto para que ele pudesse manter a imobilidade de sua classe social, composta por abastados exploradores de homens – a elite de sempre.

Outro fato importante que não podemos deixar de ressaltar, encontra-se no capítulo 40, por título Uma Égua, que diz: “A imaginação foi a companheira de toda a minha existência, viva, rápida, inquieta, alguma vez tímida e amiga de empacar, a mais dela capaz de engolir campanhas e campanhas, correndo”.

Neste trecho, Bento se refere à sua imaginação, esta que sempre esteve com ele. Com isso, podemos supor que, talvez, tudo o que acontecera em sua vida, principalmente o fato da traição da esposa, não fazer parte desse imaginário, assim, por ele mesmo citado? Este aspecto levanta, ainda mais, dúvidas do que realmente narra Bentinho. Para reafirmar o que foi dito por Bentinho, sobre sua imaginação, encontramos no capítulo 29, intitulado por O Imperador, onde ele imagina a visita do imperador à casa de sua mãe. Encontramos o seguinte:



“Tudo isso vi e ouvi. Não, a imaginação de Ariosto[12] não é mais fértil que a das crianças e dos namorados, nem a visão do impossível precisa mais do que de um recanto de ônibus. Consolei-me por instantes, digamos, minutos, até destruir-se o plano e voltar-me para as caras sem sonhos dos meus companheiros”.



Em novembro de 1857, Bentinho escutou uma conversa entre José Dias e sua mãe, este aconselhava D. Glória a colocar Bentinho no seminário o mais rápido possível, a fim de cumprir uma promessa feita no passado, porque já havia a desconfiança de que Bentinho estava apaixonado por Capitu. Notamos que, ao invés de Bentinho ir sozinho enfrentar seus problemas, ele, por sua vez, encontra em Capitu uma aliada, alguém que faça o que ele deveria fazer e não consegue.

Talvez nem amasse tanto a Capitu; talvez ele tivesse nutrido esse sentimento para se ver livre o seminário, pois só percebera que sentia algo por ela após se ver prestes a ir para o convento. Esse suposto amor pode ter nascido pelo medo, pelo fato de Bentinho ser inseguro. Assim, podemos questionar tal sentimento por parte de Bentinho, pois, como já fora dito anteriormente, ele só notou tal o que supostamente sentia, após ouvir por de trás da porta algo que ele não queria ouvir – ir para o seminário.

Portanto, segundo Skinner, ele estaria apresentando um comportamento de esquiva, ou seja, ele não queria entrar em contato com o estímulo aversivo – que seria a vida de celibato.

Tanto se fez em vão, porque foi, então, para o seminário, onde conheceu seu melhor amigo – Escobar.

Já no seminário, no capítulo 62, por título Uma ponta de Iago[13], onde encontramos um indício de ciúmes de Bentinho por Capitu, quando, após a pergunta dele por Capitu, José Dias relata que: “Tem andado alegre, como sempre; é uma tontinha. Aquilo enquanto não pegar algum peralta da vizinhança, que case com ela...”

Ele relata seus sentimentos após ouvir tal afirmação maldosa dita pelo agregado, José Dias, que se parece com Iago, ao aguçar o ciúme em Bentinho: “Estou que empalideci (...). A notícia de que ela vivia alegre, quando eu chorava todas as noites, produziu-me aquele efeito (...) um sentimento cruel e desconhecido, o puro ciúmes”.

O que nos deixa perplexo neste caso, é o fato da falta de confiança que ele depositava em Capitu, acreditava sim em José Dias, e não nas palavras de amor trocadas, antes, por eles. Realmente, Capitu amava Bentinho, mesmo sabendo que ele era medroso e mentiroso.

Bentinho só conseguiu sair do seminário após uma conversa que teve com a mãe e a convenceu de custear os estudos de outro menino, para fazê-lo padre em seu lugar. Idéia que não fora dele, mas sim de Escobar, pois em todo o romance a única atitude que tomara fora de mandar Capitu, e seu suposto filho, para a Europa, assim como o de mandar que demolissem a casa onde vivera na infância – que, por final, arrependera-se, pois, se não fosse assim, não teria ele escrito tal romance.

No capítulo 71, por título Visita de Escobar, notamos que houve uma grande aprovação de todos sobre Escobar, principalmente de José Dias. E se houvesse o inverso, será que Bentinho manteria a mesma amizade com ele, ou esta amizade acabaria? É provável que tal amizade chegasse ao fim, visto que já citamos outros trechos que induziram a Bentinho a mudar sua opinião por causa da opinião de outrem.

Ao sair do seminário, com vinte e dois anos, formou-se Bacharel em Direito e após tantos sacrifícios, voltou enfim para casa.

No capítulo 83, por título O Retrato, encontramos um respaldo de muita importância para usarmos de contraposição a semelhança de Ezequiel com Escobar, no trecho a seguir:



“Gurgel, voltando-se para a parede da sala, onde pendia um retrato de moça, perguntou-me se Capitu era parecida com o retrato (...). Então ele disse que era o retrato da mulher dele, e as pessoas que a conhecem diziam a mesma coisa. Também achava que as feições eram semelhantes, a testa principalmente e os olhos”.



Percebemos que ele concordou com tal semelhança entre elas, embora não fossem parentes, mas quando ele percebe tal semelhança de Ezequiel com Escobar, não acha que seja coincidência, como no caso anterior. Voltaremos mais à frente com este assunto.

No capítulo 101 é que se dá, enfim o casamento de Capitu com Bentinho. Foi em 1865 que casou com sua amada Capitu. O interessante é que Bento Santiago diz que estava, antes do casamento, chovendo nesse dia – e para quem é supersticioso isto poderia significar um casamento com um final drástico, mas o interessante é que a chuva parou, quando os noivos chegaram ao alto da Tijuca. E assim, começaram uma vida feliz de casados, a alegria não fora maior pela ausência de um filho.

Seu amigo Escobar também saiu do seminário e casou-se com Sancha, amiga de Capitu, e ele engajou-se no ramo do comércio. Pouco tempo depois teve uma filha e a chamou de Capitulina, em homenagem a Capitu, pois os dois casais se tornaram muito amigos. Que no capítulo 108, Bentinho relata que teve inveja[14] da filha deles. O sentimento de inveja o segue em todo o romance autobiográfico. Inveja é falta de capacidade, insegurança, medo, e isso Bentinho tinha demais.

No capítulo 108, também, é relatado o nascimento de Ezequiel; enfim, o filho desejado por Capitu e Bentinho, por alguns anos. Este nome fora dado ao bebê, para retribuir o nome que o casal amigo deu à filha. Então, por fim, diz que ao nascer seu filho, as invejas morreram e as esperanças nasceram. Será mesmo? Bentinho relata ter sentido um sentimento tão forte, grande e maior do que qualquer sentimento por ele nutrido, tanto antes como depois. Então, por que se tornou tão duro em relação ao seu único filho? Será que o tão grande amor que sentira por ele tenha se tornado em ódio? Voltaremos a falar nisso mais à frente.

No capítulo 112, por título As Imitações de Ezequiel, vemos na fala de Bentinho: “Imitar os gestos, os modos, as atitudes; imita Tia Justina, imita José Dias; já lhe achei até um jeito dos pés de Escobar...”.

Percebemos que, neste trecho, Bentinho diz que seu filho imita as pessoas, e como sabemos, as crianças tem um poder de assimilação enorme; assim, concluímos que, se a criança imita outras pessoas, é porque encontrou em casa alguém que também tenta imitar a outrem também. Tal figura é o próprio pai, que deseja não ser quem é, mas sim ser outra pessoa, ser Escobar.

No próximo capítulo (113), por título Embargos de Terceiros, encontramos a obsessão[15] e o extremo ciúmes[16] descontrolado de Bento Santiago por sua esposa.



“Por falar nisto, é natural que me perguntes se, sendo antes tão cioso dela, não continuei a sê-lo apesar do filho e dos anos. Sim, senhor, continuei. Continuei, a tal ponto que o menor gesto me afligia, a mais ínfima palavra, uma insistência qualquer; muita vez só a indiferença bastava. Cheguei a ter ciúmes de tudo e de todos. Um vizinho, um par de valsa, qualquer homem, moço ou maduro, me enchia de terror ou desconfiança”.



Por mais uma vez notamos o descontrole emocional de nosso narrador-personagem em se falar de ciúmes, onde ele mesmo confessa o mesmo.

Entretanto, para o comportamentalismo, a primeira informação a ser dada sobre este assunto é: timidez não é transtorno mental.

Há duas maneiras de se explicar o que é timidez. A primeira, usada pelo senso-comum, é pela descrição dos sinais e sintomas que se destacam na pessoa. A segunda, pelo que se passa dentro da pessoa portadora de timidez.

Pelo senso comum, a timidez é um padrão de comportamento caracterizado pela inibição em certas situações, podendo ser acompanhado de algumas alterações fisiológicas, como aceleração da respiração e dos batimentos cardíacos. Em outras palavras, é um padrão de comportamento em que a pessoa não exprime (ou exprime pouco) os pensamentos e sentimentos, e não interage ativamente. Esta maneira de explicar a Timidez é também usada em várias abordagens da psicologia e de psicoterapia.

A outra maneira de explicar o que é timidez é descrever o que se passa dentro da pessoa. Embora esta seja uma área complexa, como são todos os processos psicológicos, alguns pontos se destaca:



Ø Reconhecimento da dificuldade em interagir com as pessoas ou em situações sociais.

Ø Anseio de mudar, ou seja, o anseio de liberdade.



Desacordos internos, forças antagônicas como essas (anseio e barreiras), geram sensação de ameaça, de perigo, chamada ansiedade. A ansiedade se exterioriza de diversas maneiras, dependendo de particularidades dessas forças - uma das expressões, como no caso da timidez, é inibir, bloquear os canais de comunicação. Ou seja, em certas situações, as barreiras superam o anseio ou convivem com ele lado-a-lado.

De qualquer forma, seja pela visão do senso comum, seja pela visão do processo interno da pessoa, a timidez não compromete de forma significativa a realização pessoal, mas exprime um empobrecimento na qualidade de vida. Isso pode ser notado em situações sociais diversas. Exemplos: dificuldades, mas não impossibilidade, em participar de atividades em grupo, de praticar esportes coletivos, para falar em público, para fazer uma pergunta em sala de aula, ao abordar alguém para namoro ou relação íntima, em escrever o que pensa ao falar com alguém em posição de autoridade, para divertir-se em público, e assim por diante.

No capítulo 114, intitulado Em que se Explica o Complicado, notamos indício de que ele mente algumas vezes, quando diz: “(...) mas a alguém que tenha mais o temor a Deus que aos homens não lhe importará mentir, uma vez ou outra”.

Já no capítulo 118, que tem por título: A mão de Sancha; é citado, pelo narrador-personagem, algo curioso e que serve de respaldo para supormos o fato de que Bentinho não devesse ter desconfiado de sua esposa, em relação a seu melhor amigo Escobar. Ele começa esse capítulo com uma colocação interessante. Citemo-na: “Tudo acaba, leitor (...) nem tudo o que dura dura muito tempo (...) é bom que seja assim, para que se não perca o costume daquelas construções quase eternas. O nosso castelo era sólido, mas um domingo...”

Fica-nos tão claro que, não foi a suposta traição de Capitu que destruiu aquele “castelo sólido”, mas sim o que aconteceu naquele domingo. Bentinho até usa reticências, e a frente relata o ocorrido.

Ele, inconscientemente, relata ser o causador da separação. Disse antes mesmo da morte de seu amigo, ter acaba o que ele havia sentido por sua esposa. Bentinho assume, indiretamente, o fim de seu casamento. E, por quê? Porque sente uma forte atração por Sancha, a mulher de Escobar – que era seu único amigo, como um irmão; e Sancha, amiga de Capitu, sua esposa. Será que a culpa toda não estava no casal, que de costume é apontado como os vilões (Capitu e Escobar)? Será que tal culpa é de Bentinho e Sancha?

Bentinho, no mesmo capítulo, relata:



“Sancha não tirava os olhos de nós durante a conversa, ao canto da janela. Quando o marido saiu, veio ter comigo (...). Sancha ergueu a cabeça e olhou para mim com tanto prazer que eu, graças às relações dela e Capitu, não se me daria beijá-la na testa. Entretanto, os olhos de Sancha não convidavam a expansões fraternais, pareciam quentes e intimamente, diziam outra coisa, e não tardou que se afastassem da janela (...). A cautela desligou-nos (...) e assim posto entrei a cavar na memória se alguma vez olhara para ela com a mesma expressão, e fiquei incerto. Tive uma certeza só, é que um dia pensei nela (...)”.



Assim, fica-nos tão claro que houve, realmente, uma forte atração entre os dois. Bento descreve nitidamente que tal sentimento era recíproco. Houve, aqui, o que podemos dizer de uma “leve” traição, pois se deu apenas na mente de ambos e não deu tempo de se consumir. Houve, sim, um momento que seguraram as mãos um do outro por mais tempo do que o de costume. Bentinho relata, também, ter pensado antes em Sancha. Então surge uma dúvida no ar, será que se não houvesse a morte de Escobar eles não teriam caído no adultério? Ele confessa mais a frente: “Sinceramente, eu achava-me mal entre um amigo e a atração. A timidez pode ser que fosse outra causa daquela crise”.

Por conseguinte, ele desiste de pensar em Sancha e atribui a timidez[17] que ele possui. Sempre Bentinho, no decorrer de sua autobiografia, foge de seus sentimentos e atribui a culpa a outro sentimento, ou a alguém, assim como fez com sua esposa e com Escobar – que já era morto.

Também no capítulo 114, citado acima, diz: “Faltar ao compromisso é sempre infidelidade...”.

Este era o pensamento de Bento Santiago, então, pode-se entender que ele foi infiel à Capitu, logo ao seu amigo Escobar.

Além disso, a questão da inveja que ele sente por Escobar é imensa. Ele cita:



“Apalpei-lhe os braços, como se fossem os de Sancha. Custa-me esta confissão, mas não posso suprimi-la; era jarretar a verdade. Não só os apalpei com essa ideia, mas ainda senti outra coisa: achei-os mais grossos e fortes que os meus, e tive-lhes inveja; acresce que sabiam nadar”.



Bentinho sentia inveja de tudo e todos; ele sempre achava que o outro era melhor do que ele. Tal sentimento é de uma pessoa covarde, incapaz de enfrentar algo. Esta tal inveja, como já fora citado anteriormente, é um dado de suma importância. Uma pessoa que possui inveja de outrem faz de tudo, às vezes inconscientemente, para ter o que o outro possui, para ser o outro, se não assim dizer.

Sabemos que o amor e ódio, que são os dois lados da moeda na área sentimental, são tão fortes e tão poderosos, que podem fazer o bem quanto o mal. Só há ódio onde já houve o amor, e ambos andam juntos, sem serem percebidos. Bentinho admira seu amigo Escobar, como também a Capitu, e por ter-lhes tanto admiração e sentir-se tão diminuído, que daí surge o ódio, conseqüentemente a inveja vem com ele. No fundo, ele queria ser não ele, mas sim o amigo. Este trio era unido por uma força tão grande, uma relação de amor e ódio, que se dava na mente de nosso narrador-personagem.

No capítulo 122, por título: O enterro, e deparamo-nos com a triste morte e, assim, o enterro de Escobar. Foram, então, Capitu e Bentinho que cuidaram de todos os pormenores e fizeram questão que houvesse poupa.

A loucura de Bentinho surge no capítulo seguinte (123) que tem por título: Olhos de Ressaca, onde ele vê no rosto de Capitu a confissão de culpa. Ela estava triste demais, mais que o normal e que tentava dissimular a tristeza. Ele cita: “(...) Capitu olhou alguns instantes para o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admirava lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas...”

Bentinho cessou de chorar e ficou a observar a esposa. Sentiu-se inferiorizado outra vez e, como todo o romance, com inveja, conseqüentemente surge, então, invés do amor, o ódio. Podemos supor que, aquele olhar que ele atribuiu à esposa era, na verdade, seus olhos fincados em seu amado amigo. Escobar era o alvo de Bentinho, o espelho que refletia o que ele realmente queria ser. E agora, a quem se espelhar, já que este se fora? Aquele espelho havia se quebrado, e por ser fraco, não poderia admitir tal perda. Não, poderia administrar tal sentimento, então preferiu a fuga. Sim, era mais fácil, quem sabe, culpar alguém do que a si. Mas quem havia traído os sentimentos não fora, quem sabe, Capitu, mas sim ele. Bentinho sentiu atração pela esposa do amigo, ele queria ser o próprio Escobar, sentiu inveja no convento, sentiu inveja no nascimento da filha do amigo, sentiu inveja até de sua morte, onde todos os olhavam e, por ele, choravam. Até Sancha, a quem ele pensara estar por ele atraído. Escobar era o alvo naquela hora, sua morte trazia um brilho que ofuscava a existência e até a vida de Bento Santiago. Não, Bentinho não era importante naquela hora e isto fez com que ele surtasse. A dor era muito grande, assim como a perda, ele não estava preparado para aquele momento. Mas devemos ressaltar que os olhos mostram o que desejamos ver por meio deles. É sempre, também, o reflexo, a projeção de quem olha. Naquele instante era Bentinho, não Capitu que estava a olhar desesperado para o morto. Assim, entende-se que Bentinho descreve seu próprio olhar, olhando Capitu.

Em suma, seguindo a linha do comportamentalismo, podemos dizer que, antes de Bentinho entrar com o estímulo aversivo, ele se esquiva –foge – ou joga a culpa dele nos outros – neste caso em Capitu e Escobar.

No capítulo 126, intitulado Cismando, ressalta:



“A razão disto era acabar de cismar[18], e escolher uma resolução que fosse adequada ao momento. O carro andaria mais depressa que as pernas; estas iriam pausadas ou não, podiam afrouxar o passo, parar, arrepiar caminho, e deixar que a cabeça cismasse à vontade. Fui andando e cismando. Tinha já comparado o gesto de Sancha na véspera e o desespero daquele dia; eram inconciliáveis. A viúva era realmente amantíssima. Assim se desvaneceu de todo a ilusão da minha vaidade (...). Concluí de mim para mim que era antiga paixão que me ofuscava ainda e me fazia desvairar[19] como sempre”.



Neste trecho acima há um detalhe, citado por Bentinho, de suma importância que é quando ele diz que “me fazia desvairar como sempre”, dando-nos a entender que ele se enganava, iludia-se e, com isso, perdia a cabeça.

Após algum tempo à morte do seu amigo, Bentinho repara na fotografia que tinha em sua casa do falecido, e nota uma semelhança com seu filho, a partir daí, começa então a surgirem fatos, situações e lembranças que comprovam que havia sido enganado pela sua amada esposa e seu melhor amigo Escobar.

Aqui, mais uma vez, notamos segundo Skinner que, houve o estímulo aversivo, conseqüentemente ele se esquiva mais uma vez. Assim, ele tenta fugir de tudo o que causa desprazer – a realidade. De tal forma, em sua mente, ele ao ver seu filho se lembra de Escobar.

Neste capítulo 132, por título O Debuxo e o Colorido, encontramos detalhes que nos leva a crer que Bentinho era um dissimulador[20]: “Todas essas ações eram repulsivas; eu tolerava-as e praticava-as, para não descobrir a mim mesmo e ao mundo. Mas o que pudesse dissimular ao mundo, não podia fazê-lo a mim, que vivia mais perto de mim do que ninguém”.

Neste mesmo capítulo, ainda no mesmo parágrafo encontramos a fala de Bentinho enlouquecido:



“Quando nem mãe nem filho estavam comigo o meu desespero era grande, e eu jurava matá-los a ambos, ora de golpe, ora devagar, para dividir pelo tempo da morte todos os minutos da vida embaçada e agoniada”.



Ele estava fora de si e atribuía à esposa e filho culpa pela agonia que estava sentindo, além do fato de ter medo que todos soubesse da suposta traição de Capitu e do filho ilegítimo.

O sentimento de traição era horrível e Bentinho até tentou suicidar-se. Esta agonia vai do capítulo 133 a 137, onde neste último capítulo quase cometeu um assassinato contra Ezequiel, mas algo fez perceber que apesar de ser um filho bastardo, havia o sentimento amoroso entre pai e filho, como relata Bentinho.

Até que, no capítulo seguinte, Bentinho revela que Ezequiel não é seu filho. Eis o que Capitu lhe disse:


“Só se pode explicar tal injúria pela convicção sincera; entretanto, você que era tão cioso dos menores gestos, nunca revelou a menor sombra de desconfiança. Que é que lhe deu tal ideia? Diga (...) depois do que ouvi, posso ouvir o resto, não pode ser muito...”



É certo que Bentinho não era capaz de dizer tudo o que sentia a Capitu. Era covarde até para admitir a culpa de outrem. Não deixou que sua esposa se defendesse, e nem lutou em querer saber se era, ou não, tudo verdade. Tinha medo, era inseguro, preferindo perder a amada, ao lutar pelo o que realmente era importante. Era mais fácil dizer que Capitu havia o traído com seu melhor amigo e, deste relacionamento extraconjugal nascera Ezequiel.

Capitu ao saber que estava sendo acusada de adultério, ainda mais com Escobar, disse: “Pois até os defuntos! Nem os mortos escapam aos seus ciúmes!”

Havia sim um grande ciúme por parte de Bentinho, além de sua obsessão por causa da suposta “traição” de Capitu, ao qual era enorme, ainda maior pelo fato dele ver em Ezequiel a aparência de seu amigo, Escobar. Aquela suposta alucinação era imensa e rodeava-o diariamente. Ele tinha certeza absoluta, ainda mais quando Capitu ressaltou: “Sei a razão disto; é a casualidade da semelhança... A vontade de Deus explicará tudo...”

Quanto à questão da semelhança, o próprio Bentinho cita ter se lembrado de algo que talvez explicasse a semelhança de seu suposto filho com Escobar. Isto se dá no capítulo 140, intitulado por Volta da Igreja, que diz: “No intervalo, ecoava as palavras do finado Gurgel, quando me mostrou em casa dele o retrato da mulher, parecido com Capitu (...). Reduzem-se a dizer que há tais semelhanças inexplicáveis...”

E se, realmente, houvesse estas tais “semelhanças inexplicáveis” entre Ezequiel e Escobar? Por que Bentinho não quis se apegar a essa idéia, e ainda continuar com sua família, ao invés de crer na traição? Por que não havia o perdão de sua parte para com sua esposa? A resposta pode ser que, talvez, o fato não era perdoar Capitu, mas sim se perdoar. Quem sabe ele não enxergava, nos olhos da esposa, suas faltas e falhas, suas debilidades e até mesmo o seu fracasso. Não, melhor é jogar a culpa a outrem do que assumi-la a si próprio. Como já fora dito muitas vezes sobre a frágil personalidade de Bentinho, era muito difícil para ele aceitar a morte de Escobar, seu único amigo. Não apenas seu castelo havia se desmoronado, citado por ele próprio em capítulos anteriores de sua autobiografia, mas sim sua vida havia acabado. Desistiu de se matar, ele afirmara, mas será que, nem força e nem coragem, para isso tivera? Acredito que o último exemplo se encaixe de melhor forma a este respeito.

Preferiu a separação à solução! Ao invés de conversarem sobre o ocorrido, preferiu a dissolução da família. Decisão típica de um covarde – recuar, ao invés de avançar; omitir, ao invés de assumir; e calar-se, ao invés de falar. A separação é que foi a eleita por ele!

Ainda no capítulo 140, encontramos: “Acaso haveria em mim um homem novo, um que aparecia agora, desde que impressões novas e fortes o descobriram? Nesse caso era um homem apenas encoberto”.

Este novo homem que surgira era aquele ao qual a sua casa o desconheceria mais a frente. Bentinho, ao atar as duas pontas da vida, na verdade, gostaria de ser, não este Bento Santiago que se tornara, mas sim o da adolescência, ou quem sabe até, um novo homem.

Assim, Bento não conseguiu expor claramente suas idéias à Capitu, não houve, de certo, uma conversa muito clara entre eles. Bentinho resolveu, então, levar a família à Europa, e voltou de lá sozinho. Viajou outras vezes à Europa, mas nunca mais voltou a ver Capitu. Que lhe mandava cartas de maneira submissas, sem ódio, afetuosas e saudosas, pedindo que Bentinho fosse vê-la. Isto se dá no capítulo 141, por título A Solução, onde percebemos que Bentinho mentia e enganava as pessoas: “Na volta, os que se lembravam dela, queriam notícia, e eu dava-lhes como se acabasse de viver com ela; naturalmente as viagens eram feitas com o intuito de simular isto mesmo, e enganar a opinião”.

O tempo foi passando e morreram Tio Cosme, D. Glória e José Dias. Percebe-se simplesmente só no mundo. Sobrara agora, apenas a Tia Justina.

Daí no capítulo 144, que tem por título: Uma pergunta tardia, ele vai até a casa antiga na Rua Matacavalos e percebe algo interessante, quanto ao porque de ter reproduzido a casa de sua infância no Engenho Novo; ele diz:



“Hão de perguntar-me por que razão, tendo a própria casa velha, na mesma rua antiga, não impedi que a demolissem e vim reproduzi-la nesta (...). A razão é que, logo que minha mãe, querendo ir para lá, fiz primeiro uma longa visita de inspeção por alguns dias, e toda a casa me desconheceu (...) Tudo era estranho e adverso. Deixei que demolissem a casa, e mais tarde, quando vim para o Engenho Novo, lembrou-me fazer esta reprodução (...)”



Quando ele diz que a casa não o reconhece, na verdade, é ele mesmo que não consegue se reconhecer, após tudo o que havia feito e no que havia se tornado. Assim como citamos acima (capítulo 140). Ao invés de assumir tal mudança, recuou mais uma vez, diante da verdade, e fecharam-se os olhos a realidade, então decidiu demolir a casa, como se pudesse esconder a verdade de seus atos. Como se aquilo fosse trazer-lhe o alívio desejado, mas, como sabemos, foi em vão. Ao final, reconstruiu a casa antiga, a fim de resgatar quer era, mas é claro que isso jamais poderia vir acontecer, pois o passado não pode ser mudado, ou apagado da lembrança, nem mesmo alterado, embora Bentinho o tentasse fazer a todo tempo.

Até que no capítulo 145, Ezequiel vem visitar o pai. Ele repara que, embora houvesse grande semelhança com Escobar, este era mais baixo, menos cheio de corpo, e de cor mais viva. Então, Bentinho vê no filho a face do amigo morto, como se o próprio estivesse a sua frente. Em delírios, podemos dizer que, estava naquele instante. Queria a qualquer custo à volta do amigo que, até o imaginava no filho, criando um sentimento de fuga. Fica, então, sabendo da morte de Capitu. Morre também Tia Justina. Ficou mais uns seis meses com o pai. Passados alguns meses, Ezequiel parte para a Grécia, ao Egito e à Palestina, fora fazer uma viagem científica.

No capítulo 146, após onze meses, Ezequiel morre no Oriente Médio de febre tifóide. Podemos perceber a frieza de Bentinho, que ao saber da morte do filho ainda pode dizer que: “Quando seria o dia da criação de Ezequiel? Ninguém me respondeu. Eis aí mais um mistério para ajuntar aos tantos deste mundo. Apesar de tudo, jantei bem e fui ao teatro”.

Que tipo de pessoa, após saber da morte de alguém, neste caso do filho, consegue jantar, e bem, ainda ir ao teatro? Ou será mais uma estratégia do covarde Bentinho de assumir seus erros e enxergar a realidade? Creio que a fraqueza torna um homem numa pessoa fria e cruel.

Assim, segundo Skinner, houve o comportamento de esquiva – a morte do filho lhe trouxe alívio, pois era o que ele, inconscientemente, talvez, quisesse, pois olhar para o filho trazia à tona as lembranças de Escobar, Capitu, e da suposta traição.

No penúltimo capítulo diz que sua alma mais “lacerada que tenha sido, não ficou aí para um canto como uma flor lívida e solitária”. Ele assume que viveu o melhor que pode, sem que lhe faltassem amigas que o consolassem da primeira. Já no último capítulo afirma que: “Agora, porque é que nenhuma dessas caprichosas me fez esquecer a primeira amada do meu coração?”

A trama acaba com Bentinho sozinho. Já o adultério não foi comprovado, já que o narrador-personagem apresenta uma série de provas e contraprovas, como por exemplo, o fato de Capitu ser tão parecida com a mãe de Sancha sem haver nenhum parentesco entre ambas.

Mortos todos, familiares e velhos conhecidos, Bentinho, em sua vida fechada, ainda têm algumas amigas que o consolam, mas jamais esqueceu o seu grande amor.

A narrativa de seu livro não se mostrou eficaz ao tentar atar as duas pontas de sua vida: a adolescência com a velhice e após o término, para esquecer o relembrado, o revivido. Mas não pode, e nem poderá jamais, apagar os erros e as decisões mal tomadas. Os que morreram não podem voltar, ficam apenas nas lembranças daqueles que os amaram em vida.

Assim, até o fim desta autobiografia, Bento Santiago, vulgo Dom Casmurro, não se deteve em atribuir a culpa as pessoas que ela mais amou em vida – Escobar e Capitu. De Sancha não se sabe mais nada, nem por ele é citada.

A trama acaba com uma lacuna, se houve, ou não, o suposto adultério, e nós terminamos nossa análise dizendo que muitas vezes melhor e fugir do que assumir a culpa, assim fez Bentinho sua vida inteira.



9. Considerações Finais


Conclui-se, assim que, Dom Casmurro é uma criação tardia de Bento Santiago, poeta frustrado, como se ele tentasse ser uma terceira pessoa para escrever sobre si mesmo com distanciamento, com discernimento. É uma tentativa. O que ele tenta é compreender o que se passou em sua vida, pois ele a viveu a maior parte do tempo estando ilusório que o caracteriza, como quase todos os protagonistas machadianos, “filhinhos de mamãe” do Segundo Reinado que herdaram privilégios e se doam a delírios, sempre ansiosos por um estado de êxtase em que não há problemas nem responsabilidades. E elementos que dizem que o leitor o tempo todo que não conseguiu ver, que há lacunas a ser preenchidas, que há sombras e enganos. Seu livro, diz mais à frente, não é confuso, ressalta-se. É omisso. O máximo que dá pistas para o abismo.

Então, apelidado pelos vizinhos a cuja opinião dá tanta importância, Dom Casmurro nada é senão Bentinho desiludido e, ao mesmo tempo, saudoso das ilusões. A vida que ora leva, sem encantos nem espinhos, não tem a intensidade da que levou a partir do momento em que se apaixonou por Capitu. Nem mesmo as moças das quais se serve podem lhe tirar o tédio à existência. Não à toa: como sempre em Machado, o excesso de ilusões só pode ter como resultado um desencadeamento terminal, uma morte-em-vida como a de Bentinho.

Em suma, como os comportamentalistas poderiam dizer: Um comportamento fortalecido numa dada situação provavelmente ocorrerá em outras situações, assim uma resposta adquirida numa situação não precisará ser reaprendida em situações parecidas”.



10. Aspectos Bibliográficos


ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. Série bom livro. 26º Ed. – São Paulo, Editora Ática, 1992.


MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira. Vol. III. – São Paulo, Cultrix, 1984.


BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira 43 º ed. – São Paulo, Cultrix, 2006.


MOISÉS, Massaud. A Literatura Brasileira através dos Textos – 18º ed. – São Paulo, Cultrix, 1994.


LOPES, Lucia Leite Ribeiro Prado. Machado de A a X: um dicionário de citações –São Paulo, Editora 34, 2001.


GLEDSON, John, 1945 – Machado de Assis: ficção e história; tradução, Sônia Coutinho. – 2. Ed ver. –São Paulo: Paz e Terra, 2003.


MONTENEGRO, Fernanda [et al.]. Quem é Capitu? Organização: Alberto Achprejer – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.


Melhoramentos minidicionário da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramento, 1997.


SKINNER, B. F. (2000). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes.


GANCHO, Cândida Vilares. Como analisar Narrativas. – 9º ed. – São Paulo: Ática, 2006 (Princípios; 207).


[1] Dom: nobre, fidalgo; Casmurro: homem calado, taciturno

[2] Metalinguagem: É a linguagem sobre a linguagem, isto é, a utilização da linguagem em referência ao próprio código. A metalinguagem é muitas vezes utilizada pelo escritor quando quer se referir ao ato de escrever. (BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira 43 º ed. – São Paulo, Cultrix, 2006).

[3] SKINNER, B. F. (2000). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes.

[4] SKINNER, B. F. (2000). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes.

[5] SKINNER, B. F. (2000). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes.

[6] SKINNER, B. F. (2000). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes.

[7] Nome de uma técnica cinematográfica, usada nas narrativas, e que consiste em voltar no tempo.

[8] Tempo da narrativa que segue o curso natural, é imensurável, isto é, tem começo, meio e fim.

[9] Tempo da narrativa que seguem os impulsos emocionais do narrador ou das personagens, e que portanto não segue a lógica do tempo cronológico. GANCHO, Cândida Vilares. Como analisar Narrativas. – 9º ed. – São Paulo: Ática, 2006 (Princípios; 207).

[10] Duraque: tipo de tecido resistente.

[11] Segundo Fernanda Montenegro, nessas circunstâncias, o autor lança mão da imagem de cigana (presença marginal), do olhar de ressaca (visão de uma carne indomável), e do olhar (não definido, não confiável, dissimulado) - MONTENEGRO, Fernanda [et al.]. Quem é Capitu? Organização: Alberto Achprejer – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

[12] Poeta renascentista italiano (1474-1533), autor de Orlando Furioso.

[13] Iago: Personagem de Otelo, drama de Shakespeare, Iago aguça o ciúme de Otelo levando-o a matar Desdêmona.

[14] Inveja: sf 1 Sentimento misto de desgosto e de ódio provocado pela prosperidade ou alegria de outrem. 2 Desejo de possuir o bem alheio.

[15] Obsessão: sf 1 Impertinência excessiva. 2Fig. Idéia fixa, mania.

[16] Ciúme: sm Inquietação causada por suspeita ou receio de perder o amor ou alguma outra coisa.

[17] Tímido: adj 1 Acanhado, retraído. 2 fig. Fraco, frouxo.

[18] Cismar: vi 1 Ficar absorto em pensamentos. 2 Andar preocupado. 3 Pensar com insistência em.

[19] Desvairar: vtd +vi 1 Causar alucinação a; alucinar. 2 Perder a cabeça, praticar ou dizer desatinos 3 Aconselhar mal; enganar, iludir.

[20] Dissimulado: adj+sm 1 Oculto, encoberto, disfarçado. 2 Fingido, falso, hipócrita.

Comentários

  1. Bia ótimo seu trabalho, me ajudou muito, mas pode me dizer de qual faculdade você, é ou era ? obrigada!!! abraços.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Manuel Bandeira: Evocação do Recife

Resíduo - Carlos Drummond de Andrade

Sonetos: Bocage