Poema de João Cabral de Mello Neto
A educação pela pedra
Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, freqüentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.
para aprender da pedra, freqüentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.
1. Características do Poema e do Poeta
Publicado em 1965, A Educação Pela Pedra, de João Cabral de Mello Neto, reúne os traços determinantes de sua obra. Além da excelência de sua poesia pela consciência construtiva da linguagem, João Cabral consegue ser uma singular forma de realização do que se pode compreender por linguagem poética. Apesar de ter produzido livros fundamentais até o final do século XX, A Educação pela Pedra vale como espécie de módulo quadrangular da obra como um todo.
A Educação pela pedra significa um importante momento na trajetória inventiva de João Cabral de Melo Neto. Pode-se dizer que essa obra representa o efeito de um trabalho progressivo que teve o seu início em 1942, com a publicação de Pedra do Sono, e que continuou, passando por estágios de tensão interna, verdadeiros pontos nevrálgicos para a escala da sua invenção.
2. João Cabral de Mello Neto
Nasceu em 9 de janeiro de 1920, Recife, e faleceu em 9 de outubro de 1999, Rio de Janeiro. Foi um poeta e diplomata brasileiro. Sua obra poética, caracterizada pelo rigor estético, com poemas avessos a confessionalismos e marcados pelo uso de rimas toantes, inaugurou uma nova forma de fazer poesia no Brasil.
Irmão do historiador Evaldo Cabral de Melo e primo do poeta Manuel Bandeira e do sociólogo Gilberto Freyre, João Cabral foi amigo do pintor Juan Miró e do poeta Joan Brossa. Membro da Academia Pernambucana de Letras e da Academia Brasileira de Letras, foi agraciado com vários prêmios literários. Quando morreu, em 1999, especulava-se que era um forte candidato ao Prêmio Nobel de Literatura.
3. Sobre sua Obra
Quando o leitor é confrontado com a poesia de Cabral percebe-se, a princípio, de um certo número de algumas dualidades antitéticas, por vezes obsessivas. Entre espaço e tempo, entre o dentro e o fora, entre o maciço e o não-maciço... Entre o masculino e o feminino, entre o Noroeste desértico e a Andaluzia fértil, ou entre a Caatinga desértica e o úmido Pernambuco. É uma poesia que causa algum estranhamento porque não é emotiva, mas sim cerebral. Melo Neto não recorre ao pathos ("paixão") para criar uma atmosfera poética, mas a uma construção elaborada e pensada da linguagem e do dizer da sua poesia.
Algumas palavras são usadas sistematicamente na poesia deste autor: cana, pedra, osso, esqueleto, dente, gume, navalha, faca, foice, lâmina, cortar, esfolado, baía, relógio, seco, mineral, deserto, asséptico, vazio, fome.
4. Curiosidades
· Estranhamente, João Cabral escreveu um poema sobre a Aspirina, que tomava regularmente, chamando-a de "Sol", de "Luz"… De fato, desde sua juventude João Cabral tomava de três a dez aspirinas por dia. Em entrevista à "TV Cultura", certa vez, ele contava que boa parte da inspiração (inspiração sempre cerebral) provinha da aspirina, que a aspirina o salvava da nulidade!
· João Cabral de Melo Neto não compareceu a nenhuma reunião da Academia Pernambucana de Letras como acadêmico, nem mesmo a sua posse.
5. Obra
- Pedra do Sono (1942)
- Os Três Mal-Amados (1943)
- O Engenheiro (1945)
- Psicologia da Composição com a Fábula de Anfion e Antiode (1947)
- O Cão sem Plumas (1950)
- O Rio ou Relação da Viagem que Faz o Capibaribe de Sua Nascente à Cidade do Recife (1954)
- Dois Parlamentos (1960)
- Quaderna (1960)
- A Educação pela Pedra (1966)
- Morte e Vida Severina (1966)
- Museu de Tudo (1975)
- A Escola das Facas (1980)
- Auto do Frade (1984)
- Agrestes (1985)
- Crime na Calle Relator (1987)
- Primeiros Poemas (1990)
- Sevilha Andando (1990)
6. Prêmios
- Neustadt International Prize for Literature — 1992
- Prêmio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana — 1994
- Prêmio Camões
7. Academia Brasileira de Letras
Foi eleito membro da academia em 15 de agosto de 1968, e empossado em 6 de maio de 1969, recebido por José Américo.
8. Análise do Poema
8.1 Vocabulário
A coletânea reúne 48 poemas (1966) marcados pelo didatismo do poema “A Educação pela Pedra”, seu núcleo temático. A obra é dividida em quatro partes: a, A, b e B. Nas partes minúsculas os poemas são curtos e nas partes maiúsculas os poemas são longos. Os temas dos poemas também são distribuídos conforme as letras. Esta maneira de organizar os poemas pode exemplificar a preocupação do poeta com um livro cuidadosamente projetado. São poesias em que sobressaem o rigor formal e a contenção, sem prejuízo do lirismo.
No poema-título, ele nos remete ao conceito da "carnatura" da poética, sua matéria-prima ou conteúdo, no caso, "pedagógico", de intimidade com os objetos: Linguagem seca, precisa, concisa, desprezo pelo sentimentalismo. A arte não é intuitiva - é calculada, nua e crua.
Há em Cabral uma verdadeira "didática da pedra", como processo teórico e prático da preensão da realidade. Essa "educação" consiste num processo de imitação de objetos, pelo qual é possível tratar da realidade através do poema, isto é, através de uma forma, de uma linguagem que para sua estruturação não despreza, antes acentua, a existência do objeto, segundo João Alexandre Barbosa.
A pedra nos remete à aridez humana e geográfica do Nordeste e é símbolo constante na obra do autor, fazendo confluir a temática social (linguagem-objeto) com a reflexão sobre o fazer poético no próprio texto artístico (metalinguagem).
Aqui a pedra ensina ao homem. A pedra, um objeto inanimado, duro, frio, que à princípio não tem nenhuma qualidade, não demonstra nada, não faz nada, é passada despercebida, ganha em João Cabral essa poesia fantástica. O poeta detestava música, comparava a poesia a um cálculo matemático, relegava a emoção a segundo plano para chegar à perfeição da construção do poema, calcado na colocação das palavras precisas e fundamentais para cada espaço do papel, nada a mais, nada a menos, só a precisão, o contido, o visual.
8.2 Métrica
Passando ao elemento material, o rítmo, verifica-se inicialmente que o metro é de 10 sílabas (decassílabos). Seja o estribilho:
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
U/ ma e / du / ca / cão / pe/ la / pe/ dra:/ por / lições;
Pa/ ra a/ pren / der / da / pe/ dra, /fre/ qüen/ tá/ -la;
Sabendo que - chama-se decassílabo o verso com dez sílabas poéticas (sílabas métricas)- o mesmo foi utilizado por Camões em "Os Lusíadas", o qual foi escrito com o intuíto de ser uma “epopóeia portuguesa”, assim como foi a Ilíada e A Odisséia de Homero. Assim como, também, em sonetos. Percebemos, também, que além do poema ser formado por duas estrofes, sendo a primeira estrofe composta por dez versos de rimas irregulares ou rimas brancas, a segunda estofe é formada de seis versos, sextilha de rimas brancas também.
Podemos, com isso, dizer que João Cabral de Mello Neto quis criar uma epopéia da educação brasileira de seu tempo. Não para engrandece-lá, mas sim, para criticá-la. Sendo uma inversão à idéia original usada, tanto por Camões, como por Homero.
A idéia de educação pela pedra, tendo a expressão pela pedra como um adjunto adverbial de modo de educação, dá nos a entender o modo pelo qual era atuada a educação. Ou seja, através da pedra, sentido de dureza, aspereza e sequidão; assim, poderia ser, também, entendida, ou até mesmo substituida, por outro adjunto adverbial de modo, como por exemplo: educação pela vida, dando-nos a entender que o que educava – e ainda educa – no sertão é a vida, dura, aspera e sofrida. Uma verdadeira educação pela pedra, pelo sofrimento, pela vida dura, pela realidade sofrida, pela seca do sertão. A vida, dura, que é a escola e esta é a responsável por tal educação – cercada de dor e pesares.
Assim, João Cabral faz um paradoxo entre cidade e sertão, mostrando as diferenças, não só educacional, mas social. Fazendo uma crítica aos governos da época.
Podemos, então, concluir:
O poeta apreende da pedra a própria vivência na vida agreste do Sertão: de austeridade, resistência silenciosa e sempre capaz de dar lições de vida e de poesia.
Os versos metalinguísticos revelam a própria poética cabralina: concreta, impessoal, concisa, embora profundamente social.
O eu lírico também apreende da pedra os próprios versos enxutos, num esforço de dissecação de quaisquer sentimentalismos.
No poema, de intensa economia verbal, a pedra faz-se metáfora da paisagem do Sertão, que “entranha a alma”, e espelha o fazer poético do autor pernambucano.
No livro, como em grande parte da poesia da modernidade, são constantes os poemas metalinguísticos, expressivos da tentativa do poeta de apreender seu próprio processo de construção poética, e extrair lições da realidade – sua e da própria linguagem.
Por conseguinte, podemos afirmar que a pedra nos remete à aridez humana e geográfica do Nordeste e é símbolo constante na obra do autor, fazendo confluir a temática social (linguagem objeto), com a reflexão sobre o fazer poético no próprio texto artístico (metalinguagem). Sua reflexão poética, ao mesmo tempo social e histórica, volta-se para a estrutura da paisagem humana do Nordeste. Tal idéia será melhor vista à seguir, onde falaremos sobre a idéia de uma rachadura na terra, provocada pela seca do Nordeste.
7.3 A rota e sua significação: questão material
A educação está sendo manifestada pela rota das consoantes bilabias /p/ e /f/. Ao qual nos dá, como já fora antes citado, a idéia de uma rachadura na terra, provocada pela seca do Nordeste. Pela vida dura e árida do Sertão.
Veja o exemple abaixo:
Uma educação pela pedra: por lições;para aprender da pedra, freqüentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.
Até nos parece um caminho tortuoso, de difícil acesso: assim como a educação em tal região. Revelando-nos ser um poema cheio de arestas. Infelizmente, a mesma educação, ainda nos dias atuais, continua ineficaz.
Por conseguinte, notamos a denúncia feita à educação nesta época. Então, para entendermos melhor o poema, é necessário sabermos como andava a mesma no período ao qual foi escrito o poema.
8.4 Entre a Pedra e as Teorias Distintas
8.4.1 A materialidade do poema
Como já fora citado, a aliteração formada pela repetição da letra “p” é acentuada nos versos 1 e 2 da primeira e da segunda estrofe. Esta repetição remete o leitor ao som de algum instrumento – cinzel talvez- utilizado na lapidação de pedras, como se o poeta estivesse lapidando o texto, ou tratando sobre a lapidação, o que será discutido posteriormente neste trabalho, para a obtenção de um sentido maior. Observa-se, também, que um ponto final delimita as estrofes, mostrando a diferença não só entre elas, mas entre os temas abordados em cada uma: as educações. Esta delimitação também é concretizada pela utilização da palavra “Outra” no primeiro verso da segunda estrofe que se opõe a palavra “Uma”, utilizada no primeiro verso da primeira estrofe, o que confere sentido de diferenciação entre as educações. Ainda contido na materialidade do poema, encontramos as seguintes oposições: pedra X lição e pedra X Sertão. Sendo que estas palavras são extraídas dos primeiros versos de cada estrofe. Estas oposições indiciam as diferentes formas de se observar o objeto pedra.
A metalinguagem também pode ser observada no poema através da utilização das palavras moral, poética e economia. Palavras as quais são adjetivos freqüentes das obras de João Cabral de Melo Neto e, em contato com as demais palavras deste poema apontam para uma educação do fazer poético, tendo como referencia a pedra com suas particularidades físicas. No trecho abaixo, destacado do poema, podemos observar o recorte de algumas sílabas tônicas formando o desenho de uma rachadura, assim como as rachaduras encontradas no chão do sertão e nas pedras.
Este recorte pode auxiliar na observação da forma como reflexo do objeto de destaque do poema, a pedra. Dentro da temática do sertão, destaca-se a grafia maiúscula empregada na palavra Sertão pelo autor. “Sertão” pode ser entendido como substantivo próprio, personalidade ou até mesmo reflexo da vida no local sertão. Sobre isto discutiremos também posteriormente para que neste capítulo não se perca o objetivo da analise contida ao texto. Por fim, faz-se relevante a questão de a segunda estrofe ser mais curta que a primeira. Sendo a temática da segunda estrofe o Sertão, podemos entender esta brevidade como sequidão, sendo a seca uma das características principais da geografia sertaneja.
8.4.2 As Lições
Como observado anteriormente no poema o autor cria a repetição da consoante p ( aliteração) que nos remota ao barulho de uma possível lapidação da pedra. Está lição de lapidação, do poema ou da palavra através dos sons identifica-se com a primeira lição,a de dicção.
A segunda lição, a de moral. Usa como referencial a pedra, com “sua resistência fria”. João Cabral de Melo Neto possui como característica poética o não sentimentalismo, ou frieza. Assim, entendemos que a resistência fria citada pelo autor é na verdade a ausência do sentimentalismo de suas obras, explicitadas neste verso. Terceira lição, a de poética. Sugere os poemas concretos no sentido de ligados ao que é material, tangível. Na expressão “carnadura concreta” vemos os componentes 1- carne, como referencia ao carnal, o real e 2- concreta, objetiva. Como quarta lição,a de economia.A economia das palavras, concisão que é encontrada em outras obras de João Cabral de Melo Neto. Esta economia das palavras é encontrada ainda na palavra “adensar” e “compactos” como conceito de que a poesia deve dizer muito, ser repleta de significados,através de um número reduzido de palavras. Todas estas lições acontecem “De fora para dentro”, através da observação da referida pedra, que pode ser até mesmo uma alegoria para o próprio sertão. Assim, temos a poesia da observação do sertão e como esta poesia é ensinada.
O método tradicional de educação utilizava uma cartilha de letramento. A “cartilha muda” é essa voz inefável da pedra, que ensina quem se dispõe a estudá-la, ou como diz o poeta: “para quem soletrá-la.”
8.4.3 A outra educação
De acordo com o período analisado, a oposição do “uma” contra “outra” indicia uma educação diferenciada. Esta segunda educação, dada pela personalidade do Sertão, denominada de pré-didática – referente àquilo que não se ensina e que não se aprende. Esta lição que não é ensinada nada mais é do que a lição do viver. Do viver no sertão, e de situar-se nele.
Mas, diferente da pedra apresentada na primeira estrofe, a pedra do sertão não sabe lecionar. Seguindo uma certa lógica para ensinar, faz-se necessário ter aprendido, então como esta pedra que não é letrada , como a maioria dos sertanejos, poderia lecionar? Assim, não se entende, ou aprende, no Sertão. Os sertanejos o vivenciam. A pedra de nascença, é aquela pedra que é apenas pedra, objeto material, que não possibilita outro entendimento e reflete a dureza da vida sertaneja que se manifesta no homem desde sua infância e que com o tempo molda sua alma. Em analogia ao molde do sertanejo, temos o provérbio: “Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. Neste poema de João Cabral ocorre o oposto, a pedra endurece o homem. Assim, teríamos o seguinte provérbio: Pedra dura em homem mole, tanto bate que endurece. O poema “A Educação pela Pedra” permite uma série de analises e interpretações, variáveis do ponto de observação e da técnica utilizada.
9. Breve História da Educação Brasileira: Década de 60
Por iniciativa de Celma Pinho, cujo nome religioso era Maria Ana de Sion, foi criado, em 1960, um Curso de Especialização para professores que recebeu o nome de Especialização Montessori-Lubienska, passando a funcionar regularmente todos os anos. A orientação se baseava na influência francesa já que Celma Pinho havia sido discípula de Lubienska e Pierre Faure. Na seqüência desse movimento foi fundada, em 1969, a Sociedade Civil “Instituto Pedagógico Montessori-Lubienska” que passou a realizar Semanas Pedagógicas em várias cidades em todo o Brasil. A partir de 1975 alterou-se a denominação para “Instituto Pedagógico Maria Montessori”, vinculando-se à “Associação Montessori Internacional”, com sede na 15 Holanda. Ao final da década de 1970 existiam no Brasil 144 escolas montessorianas sendo 94 no Estado de São Paulo e 50 espalhadas por outros dez Estados e no Distrito Federal.
Vê-se, assim, que o predomínio das idéias novas força, de certo modo, a renovação das escolas católicas. A questão que estava em pauta era, pois, renovar a escola confessional sem abrir mão de seus objetivos religiosos. Para os colégios católicos, cujo alunado integrava as elites econômicas e culturais, era, mesmo, uma questão de sobrevivência. Com efeito, com o predomínio do ideário renovador, as famílias de classe média tendiam a usar como um dos critérios de escolha da escola para seus filhos, a sintonia metodológica com as novas idéias pedagógicas. A Igreja necessitava se renovar pedagogicamente, sob o risco de perder a clientela. O caminho que a Igreja Católica encontrou para responder a essa exigência foi assimilar a renovação metodológica sem abrir mão da doutrina. A sinalização para essa direção já estava dada naquele enunciado de Alceu Amoroso Lima mencionado anteriormente:
Diante das pressões que a realidade brasileira estava impondo no sentido da renovação do ensino, a A.E.C. incentivou seus associados a buscar um novo método pedagógico que atendesse igualmente as exigências postas pelos objetivos da educação católica e pela renovação pedagógica. E a escolha principal recaiu sobre Lubienska que, embora associada a Montessori e ofuscada pela maior divulgação desta, a ela se sobrepõe quanto à influência exercida sobre o pensamento pedagógico brasileiro.
Lubienska desenvolveu seu método pedagógico em estreita relação com a bíblia e a liturgia católica aproximando-se, também, do pensamento oriental do qual extraiu aquilo que era compatível com o espírito bíblico-litúrgico e com a tradição da Igreja Católica. Para realizar esse movimento tornou-se profunda conhecedora dos ritos orientais e da Liturgia em sentido geral, assim como da história da Igreja e das Sagradas Escrituras. Em suma:
Pode-se afirmar, voltando-se para a educação brasileira, que o modelo educacional italiano de Maria Montessori sofreu a influência francesa em sua implantação no Brasil.
No final da década de 1950 e início dos anos 60, intensifica-se o processo de mobilização popular, agitando-se, em conseqüência, a questão da cultura e educação populares (FÁVERO, 1983). Em termos de educação popular os movimentos mais significativos são o Movimento de Educação de Base (MEB) e o Movimento Paulo Freire de Educação de Adultos, cujo ideário pedagógico mantém muitos pontos em comum com o ideário da pedagogia nova. Ora, o MEB foi um movimento criado e dirigido pela hierarquia da Igreja Católica e o Movimento Paulo Freire, embora autônomo em relação à hierarquia da Igreja, se guiava predominantemente pela orientação católica, recrutando a maioria de seus quadros na parcela do movimento estudantil vinculada à Juventude Universitária Católica (JUC).
Se o movimento escolanovista se inspira fortemente no pragmatismo, o MEB e o Movimento Paulo Freire buscam inspiração predominantemente no personalismo cristão e na fenomenologia existencial. Entretanto, pragmatismo e personalismo, assim como existencialismo e fenomenologia, são diferentes correntes filosóficas que expressam diferentes manifestações da concepção humanista moderna, situando-se, pois, em seu interior. É lícito, pois, afirmar que sob a égide da concepção humanista moderna de filosofia da educação acabou por surgir também uma espécie de “escola nova popular”, como um outro aspecto do processo mais amplo de renovação da pedagogia católica que manteve afinidades com a corrente denominada de “teologia da libertação”.
Esse último aspecto levou a uma radicalização político-social (ALVES, 1968) da pedagogia católica brasileira que, instada pela “opção preferencial pelos pobres” definida nas conferências episcopais latino-americanas de Medelín (Colômbia) e de Puebla (México), busca formas de engajamento nos processos de desenvolvimento e libertação da população oprimida. Assim, no mesmo momento em que na passagem da década de 50 para a década de 60 entrava na reta final a tramitação da LDB emergia, impulsionada pelo arejamento propiciado pelo Concílio Vaticano II, realizado entre 1959 e 1965, uma parcela do movimento católico que buscava a formulação de “uma ideologia revolucionária inspirada no Cristianismo”. A expressão mais típica dessa tendência é, com certeza, a criação da Ação Popular em 1963.
Essa perspectiva se fez presente em grupos católicos derivados de organismos integrantes da Ação Católica, com destaque para a JUC e JEC que se lançaram em programas de educação popular, em especial a alfabetização de adultos. Mas chegou a afetar também certos colégios tradicionais, particularmente os de congregações religiosas femininas, dos quais algumas freiras dirigentes se sentiram compelidas à coerência com a “opção preferencial pelos pobres”, o que as levou a deixar o conforto de suas congregações e de seus prósperos colégios para viverem em comunidades de trabalhadores no campo ou nas periferias urbanas onde desenvolveriam trabalho educativo e de evangelização tendo em vista o objetivo de somar esforços para libertar o povo da opressão a que estava submetido na sociedade capitalista. A AP, por sua vez, radicalizou sua oposição á ditadura militar transformando-se em APML (Ação Popular Marxista Leninista), optou pela luta armada e foi dizimada pela repressão.
Paralelamente a essas transformações no campo da pedagogia católica, a década de 1960 foi uma época de intensa experimentação educativa, deixando clara a predominância da concepção pedagógica renovadora. Além dos colégios de aplicação que se consolidaram nesse período (WARDE, 1989), surgiram os ginásios vocacionais (RIBEIRO, 1989 e JACOBUCCI, 2002), deu-se grande impulso à renovação do ensino de matemática (MONTEJUNAS, 1989) e de ciências (KRASILCHIK, 1989), colocando em ebulição o campo pedagógico. Data, ainda, de 1968 a mobilização dos universitários, que culminou com a tomada, pelos alunos, de várias escolas superiores, na esteira do movimento de maio que teve a França como epicentro. Como assinalei em outro trabalho (SAVIANI, 1984, p. 278), as reivindicações de reforma universitária feitas pelo movimento estudantil se pautavam, fundamentalmente, pela concepção humanista moderna. Nas escolas ocupadas foram instaladas comissões paritárias compostas por professores e alunos. Foram organizados cursos pilotos que valorizavam os interesses, a iniciativa e as atividades dos alunos; desenvolviam o método de projetos, o ensino centrado em núcleos temáticos extraídos das preocupações político-existenciais dos estudantes, o método de solução de problemas, a valorização das atividades grupais (trabalho em equipe) a cooperação etc. Ora, todas essas características são constitutivas da concepção pedagógica renovadora de matriz escolanovista.
Por conseguinte, a década de 1960, contudo, não deixou também de assinalar o esgotamento do modelo renovador, o que se evidencia pelo fato de que as experiências mencionadas se encerraram no final dos anos 60 quando também são fechados o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e os Centros Regionais a ele ligados. No interior dessa crise articula-se a tendência tecnicista, de base produtivista, que se tornará dominante na década seguinte, assumida como orientação oficial do grupo de militares e tecnocratas que passou a constituir o núcleo do poder a partir do golpe de 1964. As linhas básicas da nova orientação já se manifestaram no Fórum denominado “A educação que nos convém”, realizado em 1968 no Rio de Janeiro, com a colaboração da PUC-Rio e organização do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), verdadeiro partido ideológico dos empresários (IPES, 1969 e SOUZA, 1981).
Ok! Parabéns Professora Bia pelo blog!! Falar de João Cabral é falar de uma poesia crítica - que leva o leitor a buscar a impressão da obra, a interagir com um grau de inteligibilidade mais elevado. A leitura deixa de ser automatizada; mecanicista, talvez, para ser renovada. Há um estranhamento poético em sua obra que o torna ímpar ao escrever suas poesias. O ferrageiro de Carmona que o diga. Forjar ou fundir?! Eis a questão!! Bom seria que todos os poetas forjasse a palavra como Cabral. Um abraço companheiro!!
ResponderExcluir