Postagens

Mostrando postagens de março, 2014

Leitura: Amor - Clarice Lispector

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô , Ana subiu no bonde . Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar . Recostou-se então no banco procurando conforto , num suspiro de meia satisfação .  Os filhos de Ana eram bons , uma coisa verdadeira e sumarenta . Cresciam, tomavam banho , exigiam para si , malcriados , instantes cada vez mais completos . A cozinha era enfim espaçosa , o fogão enguiçado dava estouros . O calor era forte no apartamento que estavam aos poucos pagando. Mas o vento batendo nas cortinas que ela mesma cortara lembrava-lhe que se quisesse podia parar e enxugar a testa , olhando o calmo horizonte . Como um lavrador . Ela plantara as sementes que tinha na mão , não outras, mas essas apenas . E cresciam árvores . Crescia sua rápida conversa com o cobrador de luz , crescia a água enchendo o tanque , cresciam seus filhos , crescia a mesa com comidas , o marido chegando co

A Terceira Margem do Rio

Composição: Caetano Veloso/Milton Nascimento Oco de pau que diz: Eu sou madeira, beira Boa, dá vau, triztriz Risca certeira Meio a meio o rio ri Silencioso, sério Nosso pai não diz, diz: Risca terceira Água da palavra Água calada, pura Água da palavra Água de rosa dura Proa da palavra Duro silêncio, nosso pai Margem da palavra Entre as escuras duas Margens da palavra Clareira, luz madura Rosa da palavra Puro silêncio, nosso pai Meio a meio o rio ri Por entre as árvores da vida O rio riu, ri Por sob a risca da canoa O rio riu, ri O que ninguém jamais olvida Ouvi, ouvi, ouvi A voz das águas Asa da palavra Asa parada agora Casa da palavra Onde o silêncio mora Brasa da palavra A hora clara, nosso pai Hora da palavra Quando não se diz nada Fora da palavra Quando mais dentro aflora Tora da palavra Rio, pau enorme, nosso pai